Dona Míriam — mulher do Alcindo — tinha conseguido a empregada com uma parceira de pif-paf, uma tal de Iolanda, com a qual o Alcindo sempre implicou. Mulherzinha gastadeira, que esbanjava o dinheiro do marido no jogo.
Dona Míriam era vidrada na Iolanda. Achava a Iolanda o fino da elegância. Imitava a Iolanda, fazia vestidos na costureira da Iolanda, penteava o cabelo no mesmo cabeleireiro da Iolanda e dera até para gastar como a Iolanda.
O Alcindo ia suportando tudo porque os programas de pif-paf da Dona Miriam lhe davam uma frente bárbara. Enquanto a mulher estava fazendo seqüências, trincas, "lobas" e outras besteiras, ele ia se espalhando pelas boates, fazendo suas miserinhas pela aí. O Alcindo era muito assanhado.
Ultimamente, porém, a Iolanda começara a mandar também em sua casa. Aconselhara Dona Míriam a mudar os móveis da sala (Alcindo teve até que assinar um papagaio no Zé Luís para quebrar o galho), fizera Dona Míriam aderir às suas dietas para manter a linha (Alcindo já se sentia um mísero herbívoro de tanto mastigar saladas), e tudo culminara com a dispensa das duas empregadas que não eram lá essas coisas, mas pelo menos respeitavam o patrão.
Dona Míriam — sempre achando que a Iolanda era o máximo - ia seguindo os conselhos. Lá se foram as duas domésticas simplórias e viera a novidade: a Iolanda arranjara uma espécie de governanta. Uma moça que trabalhara para os Martorelli.
— Uma governanta perfeita. Fala até um pouco de inglês - informou Dona Míriam, exaltando as qualidades da nova contratada.
E naquela tarde discutiram pra valer, com Alcindo irritado de tanta badalação dentro de casa. Mas, como Dona Míriam ia passar a noite na casa do pai (o velho estava quase abotoando o paletó) e ele ia a um pré-carnavalesco legal organizado pelo Pindoba — grande técnico na estruturação de badernas íntimas —, acabou concordando.
— Ela chega amanhã. Vai ganhar Cr$ 100 mil, mas vale a pena — foram as últimas palavras de Dona Míriam, antes de sair para a casa do pai moribundozinho.
Alcindo inda ficou zanzando pela casa, tentando se acostumar à idéia de uma governanta em casa; uma mulherzinha provavelmente cheia de chiques, que iria inibir sua comodidade dentro do próprio lar. Grande chateação! Não fosse a perspectiva da farra no tal pré-carnavalesco, e o Alcindo estaria uma fera.
Quando saiu pra festa estava mais calmo. Meteu uma bermuda, uma camisa folgada e mandou brasa. O forró foi numa dessas boates também chamadas de "inferninho", onde o diabo não entra para não se comprometer.
No escurinho tava valendo tudo. Com dois minutos do tempo regulamentar o Alcindo já estava armado. Pegou uma zinha mais ou menos, lourinha, de narizinho fino e um rebolado que não era assim aquele estouro mas que também não era de se deixar pra lá.
A noite inteira agarrado, enquanto uma charanga segundo time tocava uma marchinha chamada "O Cachorrinho do Lalau". Quando a charanga meteu o "Cidade Maravilhosa", que dá por encerrados os debates, o Alcindo estava de moringa cheia e doido pela lourinha. Fez tudo para comprar o seu passe, mas na confusão da saída, caindo pelas tabelas de tão bêbedo, a lourinha sumiu e ele nem sabe como chegou em casa.
Mas que chegou, isto chegou. Tanto que, no dia seguinte de manhã, acordou com Dona Míriam a catucá-lo: — Levanta, Alcindo. A Dolores já está aí.
- Dolores?, Que Dolores?
- A governanta. Já estudamos os horários. Ela acha que não devemos dormir depois das dez. O breakfast pode tirar o apetite para o almoço.
Alcindo levantou-se estremunhado. Entrou debaixo do chuveiro (era dia de adutora consertada) e tomou uma ducha legal. Quando chegou na sala de jantar, foi aquele espanto. Sua mulher ouvia encantada as "ordens" da governanta. E a governanta era igualzinha à lourinha da véspera. Seria a mesma? Era muito azar do goleiro. Alcindo cumprimentou-a meio ressabiado. Ela respondeu com um sorriso amável. Não, não era a mesma. Estava era imaginando besteira. Mas foi Dona Miriam ir lá pra dentro e a governanta começou a cantarolar baixinho a marcha "O Cachorrinho do Lalau".
Coitado do Alcindo, anda numa rosca soviética! Só ato institucional pra cima dele a governanta já assinou uns três para cercear os seus direitos humanos.
Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.
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