Se o distinto aí tivesse ido a Liverpool, durante a lamentada Copa do Mundo, ficaria espantado com o grande número de patrícios desembarcados no movimentado porto inglês.
Dizem até que lá chegou um navio da Costeira, cheio de torcedor apaixonado, dois dias depois de a seleção brasileira ter ido pra cucuia. Dizem também que o navio voltou de marcha à ré - mas isto eu não afirmo, apenas comento de ouvir dizer.
O que eu vi mesmo foi muito brasileiro se virando pra poder dormir. Lembro-me de uma tarde, em que saímos do Press Center" - eu e o coleguinha Achilles Chirol, que não me deixa mentir. A gente ia saindo e conversando em português, porque era muito pedante ficar ali gastando inglês entre si, quando se aproximaram três sujeitos meio ressabiados. Um deles virou-se para o coleguinha e perguntou:
— Os senhores são brasileiros?
Nós éramos (e ainda somos). O cara então quis saber se naquele prédio de onde saíamos tinha poltronas no corredor. O Achilles disse que tinha e os três ficaram muito contentes. Entreolharam-se e um deles propôs:
— Vamos entrar aí, turma. Assim a gente dorme um pouquinho nas poltronas.
To contando o caso, para vocês sentirem o drama de quem faz do futebol uma paixão capaz de levar um coitado a atravessar um oceano para ir dormir em banco de jardim, numa cidade onde chove de duas em duas horas, e onde o verão é tão extenso que — no ano passado — caiu num domingo.
A sorte desses dignos representantes da plebe ignara que foram parar em Liverpool era a quantidade de brasileiros presentes. No idioma pátrio eles conseguiam pedir uma ajudazinha e iam maneirando. Mas, depois que o Brasil foi eliminado e os jornalistas tiveram que partir para outras cidades, onde prosseguiria o campeonato mundial, eles ficaram na maior bananosa, e quem não conseguiu passagem de volta nos primeiros aviões passou até fome.
Foi o caso do homem que comia mitu!
Deu-se que, uma tarde, descia um grupo de jornalistas a principal avenida de Liverpool (cujo nome eu esqueci, porque de Liverpool não estou querendo me lembrar de nada), quando apareceu o homem que comia mitu. Eu estava no grupo e vi quando ele se aproximou. Disse que era brasileiro, que não falava nem "yes" de inglês, e perguntou se não podia almoçar com a gente. Vimos logo que ele estava pedindo benção a mendigo e chamando cachorro de dindinho. Quem lhe pagaria o almoço seria mesmo o grupo, mas como éramos vários nesse grupo, concordamos em levá-lo. Saía barato e era menos um nordestino com fome (o nossa-amizade era pernambucano).
No restaurante, cada um pediu seu prato. O penúltimo a escolher pediu costeletas de carneiro com legumes, e o último, como quisesse a mesma coisa, disse, em inglês, para o garçom:
— Me too!
Quando vieram os pratos o fominha olhou para as costeletas, depois olhou pro garçom e — como ouvira a pedida — apontou para o prato e disse:
-Mitu!
Ora, "mitu" pode ser "me too", e o garçom trouxe o mesmo prato para ele também.
Depois soubemos que o distinto dava o golpe em tudo que era brasileiro que entrava em restaurante. Pedia para almoçar junto e era o último a pedir: — Mitu! — e o garçom trazia.
Mas aí o Brasil entrou bem, os brasileiros se mandaram e ele ficou lá. Consta que, depois de muita luta, arranjou uns "shillings" e entrou num restaurante. Quando o garçom se aproximou, fez a pedida:
- Mitu!
O garçom não entendeu nada. Parece que, depois que os brasileiros foram embora... o mitu acabou.
______________________________________________________ Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.
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