A pessoa que foi testemunha do episódio merece todo crédito e garante que aconteceu no interior de um desses ônibus elétricos que a irreverência popular apelidou de chifrado. O ônibus vinha lotado e, como acontece com tanta freqüência, com vários passageiros em pé.
Antigamente, quando havia passageiro em pé, era tudo homem, porque a delicadeza mandava que os cavalheiros cedessem seus lugares às damas. Hoje, porém, é na base do chega-pra-lá.
Vai daí, havia um senhor que estava sentado distraidamente lendo o seu jornal e nem percebeu que havia em pé, ao seu lado, uma jovem senhora dessas que não são nem de capelão largar batina, nem de mandar dizer que não está. Em suma: uma mulher bastante razoável.
O senhor acabou de ler o seu jornal, dobrou-o e deu aquela espiada em volta, ocasião em que percebeu a distinta viajando em pé, ao seu lado. Devia ser um cavalheiro de conservar hábitos d'antanho porque, imediatamente, levantou-se e disse pra dona:
— Faça o obséquio de sentar-se, minha senhora. Seu ato não parecia esconder segundas intenções, tão espontâneo ele foi. Mas, se o cavalheiro era antigão, a madama era moderninha. Achou logo que o senhor estava querendo fazer hora com ela e, desacostumada ao gesto delicado, torceu o nariz e falou:
— Muito obrigada, mas eu não sento em lugar quente. Houve risinho esparso pelo ônibus e comentários velados, o que deixaria o senhor com cara de tacho, não fosse ele — conforme ficou provado — pessoa de muita presença de espírito.
Notando que todos o olhavam como se ele fosse um palhaço, o gentil passageiro voltou a sentar-se e disse, no mesmo tom de voz da grosseira passageira, isto é, naquele tom de voz que desperta a atenção geral:
— Sinto muito que o lugar esteja quente, minha senhora. Mas não existe nenhum processo que nos permita carregar uma geladeira no rabo.
Alias, ele não disse rabo. Ele disse mesmo foi bunda.
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Por: Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.
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