Pois a mulher do Luís Pierre era assim e, de bola em bola, acabou saindo por cima do travessão. Aí vocês sabem como é: prevaricou a primeira vez, fica freguês.
Todo mundo lamentava o procedimento dela, que nas primeiras prevaricações ainda tomou um certo cuidado, mas depois se mandava, pouco ligando à boca do povo, uma boca que, para essas coisas, não se cala nem para mastigar.
Foi então que o blá-blá-blá chegou aos ouvidos do Pereirão que era amigo de Luís Pierre e nunca tinha reparado em nada. Porém, alertado, foi conferir e ficou chateadíssimo:
— Ora, para o que deu essa sirigaita — dizia ele na roda do clube. — O Luís Pierre casou com ela quase que amarrado. Fingia-se de apaixonado e agora está aí que nem chuchu no mercado, subindo pelas paredes.
Mas o Pereirão não podia ir dizer ao amigo. Essas coisas dão sempre em besteira, quando o amigo tenta desentortar o que está torto. No entanto, na qualidade de amigo, tratou de fazer sentir ao Luís Pierre que tinha lingüiça por debaixo do angu. Uma insinuaçãozinha aqui, outra ali, na esperança de que o outro se mancasse e tomasse uma atitude.
Estas coisas, todavia, são sempre parecidas. O pobre do marido, se não desconfia por si mesmo, se não pega num flagra ocasional, não adianta insinuar, pois é dos inocentes o direito de não desconfiar. Vendo o seu trabalho ir por água abaixo, o Pereirão começou a se irritar ao contrário, isto é, começou a achar que um marido tão boboca merecia. E mais de uma vez disse na roda do clube.
— O idiota merece.
No fim de certo tempo, dava razão à sirigaita (conforme ele mesmo classificara a mulher) e começou a implicar com o Luís Pierre. Uma tarde — na roda do clube —, comentou-se qualquer coisa sobre a mais recente aventura de Mme. Luís Pierre, e o Pereirão foi mordaz, afirmando que Luís Pierre não podia nem passar mais no túnel. Houve uma gargalhada geral e a piada de mau gosto se espalhou, não demorando muito para que um safado qualquer mandasse uma carta anônima ao marido enganado contando tudo.
Luís Pierre ficou estarrecido. Em vez de dar a bronca na mulher, comentou com ela a safadeza do Pereirão, seu amigo do peito, à dizer aquelas maldades. A mulher aproveitou para insuflar, dizendo que — "ou você toma uma atitude ou tomo eu", enfim, essas bossas.
À tarde, no clube, Luís Pierre chegou mais cedo, para esperar o Pereirão, mas lá chegando só encontrou o Gustavinho, velho aposentado, que bebia muito para esperar a morte. Não valia nada, o Gustavinho.
Caneca vai caneca vem, os dois foram ficando meio caneados e Luís Pierre contou por que viera mais cedo. Contou tudinho: que o Pereirão era um safado, que ele ia tomar satisfações, que aquela história de ele não poder passar mais no túnel era ofensa que não ia ficar assim. E arrematou:
— Hoje eu arrebento a cara daquele safado.
O Gustavinho era contra violências. Aconselhou a quebrar o galho de outra maneira. Afinal, aquilo de não poder passar mais no túnel, francamente. E como Luís Pierre insistisse, perguntou:
— Vem cá, velhinho, seu escritório não é na Esplanada do Castelo?
— É — respondeu Luís Pierre.
— E você não mora em Botafogo?
Nova confirmação de Luís Pierre. E aí Gustavinho aconselhou:
— Então, rapaz, você para ir de casa para o trabalho e do trabalho para casa, não tem a menor necessidade de passar no túnel!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.
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