domingo, 27 de novembro de 2011

Sinal vermelho e moça idem

Cronista que escreve sobre o diário não devia ter nunca automóvel. O andar na rua, trafegar em coletivos, ter contato mais direto com a plebe ignara ajuda às pampas. A gente se imiscuindo é que colhe material para estas mal traçadas.

Ontem, por exemplo, estava o neto do Dr. Armindo a aguardar um reparo em seu carro e, enquanto o mecânico mexia os parafusos, ficou Stanislaw na esquina a se distrair com o trabalho do guarda.

Parece que houve um exame de consciência no Serviço de Trânsito e eles puseram guarda nas esquinas, tal como acontece nas cidades civilizadas.

A turma está um pouco desacostumada e — a toda hora — vinha um e desrespeitava o sinal. O guarda apitava, o cara parava, vinha aquela espinafração regulamentar, etc, etc. Foi então que veio uma mocinha e diminuiu a marcha no cruzamento. O sinal estava no maior vermelho, mas ela, depois de olhar para os lados e não ver ninguém, foi em frente. O guarda lascou o apito. Ela se assustou, o carro ziguezagueou um pouco, mas a mocinha não parou.

Fiquei imaginando a raiva do guarda, que logo puxou o caderno e anotou o número dela (isto é, o número do carro dela, bem entendido, que mocinha ainda não está numerada).

Eu até já ia embora, cansado de ver o guarda trabalhar, quando reparei que o carro da mocinha vinha devagarinho, por uma das ruas transversais. Ela encostou no meio fio, saltou e veio falar com o guarda. Só aí deu pra ver que era uma mocinha tamanho universal, dessas de fazer cambono largar o "santo".

Como quem não quer nada, fiquei perto, ouvindo a cantada que ela ia dar no guarda. Primeiro ela perguntou se tinha sido anotada. O guarda disse apenas: "Lógico". Ela aí deu uma arremetida bossa novíssima. Falou assim:

— "Olha aqui, eu costumo desrespeitar o sinal, mas jamais desrespeitaria o guarda". E ficou olhando, para ver o efeito. O guarda nem parecia; continuava a olhar o trânsito. Ela meteu uma segunda na cantada e insistiu:

— "Eu só queria que o senhor soubesse disso. Eu posso desrespeitar o sinal, mas nunca desrespeitaria o guarda. Se eu soubesse que o senhor estava na esquina não teria avançado o sinal".

O guarda olhou para ela sorrindo. Ela suspirou, vitoriosa. E emendou:

— "Vai retirar a multa?"

E o guarda: "Não senhora".

Ela engoliu em seco e ele explicou melhor:

— "Eu não multei a senhora por ter me desrespeitado a mim e sim ao sinal".

Ela percebendo que seu golpe falhara, perguntou, irritada: "O quê??".

E o guarda: — "É isso mesmo, minha filha. Quem estava vermelho era o sinal. Não era eu não".

Ela deu uma rabanada e voltou para seu carro pisando duro, a balançar aquilo tudo.

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975

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