segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Menininha viciada


Foi noutro dia, num convescote patrocinado por conhecido doador de sangue desta praça (existem duas espécies de doadores de sangue: os que têm conta no Banco do mesmo nome e os que dão coquetel. Exemplo: Jorginho Guinle é doador de sangue tipo B). Enfim, foi na residência de um tipo B.

Nossa televisão, graças a Deus, enguiçara mas — sabem como são os ossos do ofício — tínhamos que assistir a um programa muito do calhorda, só porque uma membra da nossa frota telefonara dizendo que trabalhava nele.

Nós não tínhamos nada com isso, pois não cobramos taxa sobre os cachês das nossas protegidas. Mas é que era estréia e a moça fez a flor dos Ponte Pretas prometer que assistiria. Palavra empenhada, palavra cumprida — costuma ser o nosso lema, quando não aparece uma outra enxutinha no caminho da razão, é lógico.

Onde estávamos? Ah... sim! Então a televisão enguiçou e não apareceu nenhuma outra mulher. O jeito era cumprir a palavra e assistir ao programa. Por isso, telefonamos para um amigo que reside no mesmo prédio que nós e perguntamos se podíamos subir (ele é dois mais acima) para usar da sua televisão:

— Prazer imenso, amigo! — berrou ele do outro lado do fio, numa prova cabal de que estava triscado pelo álcool.

Então subimos. Ele nos recebeu de copinho na mão e explicou que a visita não seria apenas para ver televisão. Imagine que ia dar um coquetel dentro de minutos. As moçoilas em flor estavam prestes a chegar e ficariam encantadas de encontrar ali aquela surpresa: o maior expert em mulheres, em carne e osso (mais carne que osso).

Fizemos ver que estávamos com a barba por fazer, que a camisa estava respingada de pasta de dente, que o intento era só ver o programa e voltar ao tugúrio. Mas qual. Ele argumentou que Humphrey Bogart também era displicente e nunca dormiu sozinho.

 E tanto insistiu que, depois de ver o vexame da nossa protegida, ficamos para os salgadinhos.

— Que tipo de damas teremos aqui? — indagou Stan. — Senhoras condescendentes, figurinhas ainda não inauguradas ou manicuras?

— Figurinhas ainda não inauguradas — respondeu o anfitrião.

E de fato. Pouco depois começavam a chegar moçoilas assim — como diremos — "entreaberto botão, entrefechada rosa" (obrigado, Joaquim Maria). Chegavam coloridas de carmim, sorriam para fotógrafos imaginários e sentavam com aquele cuidado das que querem deixar aparecer a anágua. Foi então que percebemos o quanto estão intoxicadas de entrevistas essas mocinhas de hoje.

Pois imaginem vocês que — só para puxar conversa — perguntamos a uma delas:

— O que é que você faz, meu bem?

E ela, ajeitando-se na cadeira:

— Estudo culinária, adoro "Nuit de Noêl", a minha cor predileta é o verde. Leio muito, minha leitura preferida é a Sagan, vou à praia e acho Teresa Sousa Campos a mulher mais elegante que eu já vi.

E antes mesmo que pudéssemos pronunciar uma sílaba, perguntou:

— Quando é que vai sair?

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Fonte: Tia Zulmira e Eu  - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

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