Tia Zulmira, velha e experiente, achou logo que Teresinha não ia demorar muito no serviço doméstico, tanto assim que evitou o que pôde mandar a empregada na rua.
Sempre que tinha uma compra qualquer para fazer, ela mandava a cozinheira, que já estava queimando óleo 40, sorria com todas as gengivas e claudicava da canhota. Mas teve um dia que a cozinheira acordou com defeito no carburador, e titia foi obrigada a ordenar a Teresinha:
— Vai ali na farmácia e compra este xarope que está aqui escrito!
Ah, Margarida... pra quê! Ela foi, voltou e, com cinco minutos do tempo regulamentar, já tinha juriti piando no galho.
Tia Zulmira, num dos raros momentos em que chegou à janela (titia não gosta de mulher na janela, acha que é uma atitude muito colonial), viu um cara indo e vindo em frente ao portão, com aquele olhar perdido de quem está pensando besteira.
Bem, eu vou encurtar. Mesmo com os conselhos da patroa, Teresinha de Jesus da Silva de uma queda foi ao chão. Só que não acudiram três cavalheiros. Não! Os três cavalheiros vieram justamente antes da queda. Mas vamos por partes.
Logo depois daquela ida à farmácia, começaram as paqueras, os telefonemas na base da voz grossa pedindo "se não fosse incomodar, poderia por obséquio falar com a Dona Teresa". O primeiro cavalheiro foi um garboso soldado do fogo. Um bombeiro cerimonioso, que sempre que vinha buscar Teresinha para sair, nas tardes de domingo, curvava-se, respeitoso, para Tia Zulmira.
O segundo não tinha garbo, mas tinha mais juventude. Era aviador, e isto, dito assim, parece que o rapaz era da Aeronáutica. Mas não: ele era aviador de receitas. Trabalhava na farmácia onde Teresinha fora, na sua primeira ida lá fora, lembram-se? Pois é. O aviador, como a farmácia fazia plantão aos domingos, costumava rebocar Teresinha para a rua às noitinhas de segunda-feira.
O terceiro não tinha dia. Vinha de vez em quando e era vigia de uma obra, num prédio que estavam construindo na outra esquina, do lado de lá. Pelo que ficou se sabendo depois, era o menos abonado dos três, mas isto ainda não está na hora de contar.
Foi assim: não demorou muito, Teresinha começou a ter enjôo. Enjoava que só vendo, e Tia Zulmira, sempre muito romântica, mas nem por isso menos realista, viu logo que teria de pagar carreto à cegonha. Chamou Teresinha e perguntou quem foi. A mulatinha, cheia de pudores, chorou muito, mas não quis dizer, obrigando a velha a iniciar suas diligências.
Conversou com os três suspeitos, e ficou sabendo que o bombeiro, que vinha aos domingos, era tarado pelo Flamengo e, nas vezes que levou Teresinha com ele para passear, foram ao Maracanã. O aviador (de receitas) costumava levar Teresinha ao cinema.
— Cinema, no duro? — insistiu Zulmira, que nunca foi de chupar picolé pelo lado do pauzinho.
— Cinema, sim senhora. A senhora compreende. Eu tenho folga às segundas, quando muda o programa dos cinemas. Me acostumei a ir aos cinemas nas segundas. Quando comecei com a Teresa, passei a ir com ela.
Tia Zulmira anotou, e passou para o terceiro. O tal vigia da obra num prédio que estavam construindo na outra esquina, do lado de lá. Instado a responder se tinha levado Teresinha ao Maracanã, respondeu que não, que quem sou eu, nunca iria levar a menina, que via-se logo ser moça de respeito, num lugar onde só vai homem. Cinema também não, porque é muito caro para quem vive de salário mínimo.
Na verdade, ele não levava Teresinha a lugar nenhum. Era um pobre coitado, compreende? Os dois, quando saíam juntos, ficavam batendo papo ali mesmo, na obra.
Tia Zulmira deu um jeito, conversou com a mulata direitinho, e o casamento com o vigia é sábado. Após a cerimônia, vatapá na Boca do Mato!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora
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