Entre as várias anedotas de caráter regionalista, que correm pelo sertão, ouvi, quando menino, centenas de vezes a seguinte:
Um vaqueiro foi à cidade de Quixeramobim, batizar uma filha de meses. Quando o padre lhe perguntou, junto à pia, qual o nome da menina, respondeu sem pestanejar, diante do espanto da assistência:
- Onça!
O sacerdote sacudiu a cabeça, pôs-lhe carinhosamente a mão no ombro, e disse-lhe que aquele nome era de um bicho feroz e não quadrava bem numa criança, que, quando ficasse moça, seria alvo de risotas e chalaças, por causa do seu apelido.
- Mas eu quero! insistiu o vaqueiro.
O religioso fez outras considerações, a fim de demovê-lo, e terminou perguntando:
- Já viu alguém com nome de fera?
O matuto retorquiu, embatucando-o:
- E o Santo Padre não se chama Leão? Por que minha filha não se pode chamar Onça?
Esta historieta, que parece autóctone, é simplesmente a variante de um raconto peninsular europeu. Pode-se encontrá-la em outras regiões da América e em outra língua. Eu a li no curioso livro do grande escritor peruano Ricardo Palma - Mis últimas tradiciones:
"Trataba-se de cristianar a un niño, y antes de llevarlo al bautisterio, el cura apuntaba, en la sacristia, los datos que consignaria más tarde en el libro parroquial.
- Que nombre le ponemos al chico?
- Por mi - contestó el padrno, - póngale usted Tigre.
- No puede ser - arguijó el párroco.
- Pues entonces, póngale usted Búfalo ó Rinoceronte.
- Tampoco puede ser! Esos son nombres de animales y no de cristianos.
- No moje, padre! Como el Papa se llama León?"
Esse pequeno conto, europeu de nascença, deu, entretanto, origem a um que é a expressão mais perfeita do espírito sertanejo do Nordeste. Vejamo-lo:
Ao perguntar-lhe o padre que nome queria pôr ao filho, já nos braços da madrinha, ao pé da pia, um vaqueiro lhe respondeu:
- Não sei bem, não, senhor; mas desejava um nome grande e bonito, um nome de encher a boca.
- Alexandre? lembrou o vigário.
- Não, senhor.
- Napoleão?
- Não serve, não, senhor.
- Heliodoro?
- Também não serve, seu padre.
- Então que nome há de ser?
O vaqueiro hesitou instantes e, depois, torturando nas mãos a aba do chapéu:
- Seu vigário, eu quero um nome que encha a boca da gente, um nome, assim como este, que ouvi outro dia: Amancebado!
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Fonte: BARROSO, Gustavo. O sertão e o mundo.
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