Vendo-se na mais completa miséria, resolveu sair do seu país, procurar uma terra onde não fosse conhecido, e ver se conseguia recuperar a fortuna perdida.
Um dia, atravessando uma planície, encontrou o diabo, a quem não reconheceu, todavia.
— Que tens? perguntou-lhe Satanás, conquanto soubesse perfeitamente bem a causa da tristeza de Sinfrônío.
— Para que dizer-te?— respondeu este. — Não me poderás dar remédio...
— Isso é que não sabes; e, desde já, obrigo-me a tirar-te do embaraço, se te obrigares a fazer tudo quanto eu disser.
Em seguida, vendo que Sinfrõnio estava espantado com aquela proposta, deu-se a conhecer.
O pobre homem não sabia que fazer, mas como se achava desesperado da vida, completamente pobre, resolveu aceitar a proteção de Satanás.
Prometeu ficar-lhe pertencendo, com a condição de enriquecer de novo.
— Pois bem, disse o demônio concluindo o pacto, de hoje em diante sair-te-ás bem de todos os negócios em que te envolveres. Se, entretanto, te achares alguma vez em perigo, bastará dizer “Dom Martinho, socorre-me!” e eu te aparecerei.
O capataz do inferno sumiu-se.
Sinfrônio, continuando viagem, chegou pelo meio da noite, a uma cidade.
Aí, certo de que triunfaria, resolveu roubar.
Em todas as casas que pretendia entrar, mal chegava, as portas abriam-se de par em par, encontrava os moradores profundamente adormecidos, e via à mão objetos preciosos.
Então meteu-se em altas empresas, e tornou-se um bandido célebre, terror de toda a região, saqueando viajantes.
Um dia foi preso.
Mal se viu na prisão, lembrou-se do seu protetor e exclamou:
— Dom Martinho, socorre-me!
O diabo apareceu logo e libertou-o.
Vendo-se livre, Sirifrônio recomeçou na sua antiga existência, cometendo toda a sorte de rapinagens.
Novamente foi preso, mas, como da primeira vez, invocou Satanás.
— Dom Martinho, socorre-me!
O demônio veio, mas Sinfrônio reparou que se demorara um pouco.
— Por que não vieste mais depressa?
— Estava ocupado, limitou-se o diabo a dizer laconicamente.
Mais tarde, depois de novos crimes e terríveis façanhas, o nosso herói caiu nas mãos da justiça.
Do fundo da sua prisão chamou Satanás que não veio.
Passaram-se dias, o processo já estava muito adiantado, e só faltava a sentença, quando finalmente mestre Lúcifer veio libertar o amigo.
Posto em liberdade, o bandido continuou ainda na sua horrível existência de rapinagem, com mais afã que nunca, em vez de se emendar.
Pela quarta vez foi preso, encerrado numa masmorra forte, e guardado por sentinelas.
Sem se inquietar muito, Sinfrônio gritou pelo demônio, segundo haviam combinado.
— Dom Martinho, socorre-me!
Decorreram semanas e semanas, até que, enfim, o juiz pronunciou a sentença, condenando-o à morte.
Marcou-se a data para a execução da sentença. Satanás, faltando à palavra, não acudiu à chamada.
Sinfrônio, escoltado pelo carrasco, e por soldados, caminhou para a praça e subiu à forca.
Foi só então que o capataz do inferno apareceu.
— Toma esta bolsa, disse-lhe ele. Aí, dentro estão vinte contos de réis. Dá-os ao juiz que ele te libertará.
O condenado, chamando o juiz, como que para lhe dizer as suas últimas vontades e confissões, fez-lhe a proposta.
O juiz, magistrado desonesto e avarento, escondeu a corda e disse para o povo:
- Cidadãos: acaba de suceder um fato extraordinário, que pela primeira vez acontece: esquecemos de trazer a corda para enforcar o condenado. A execução fica pois, suspensa. Quem sabe se Deus não quis, por esse modo, mostrar a inocência do réu? Vai rever-se a sentença mas a justiça será feita.
Prepararam-se os executores para reenviar Sinfrônio para a cadeia.
Nesse intervalo o magistrado abriu a bolsa, mas só encontrou uma corda nova, em lugar dos vinte contos de réis.
Voltou-se indignado, exclamando:
— Cidadãos: acaba de aparecer uma. Foi Deus quem a enviou. Este homem é na verdade um bandido. Enforquem-no!
Passaram o laço no pescoço de Sinfrônio, que vendo-se estrangulado, bradou:
— Dom Martinho, socorre-me!
— Ah! disse o demônio aparecendo, eu não posso fazer nada, quando os meus amigos já estão com a corda no pescoço.
É assim que o diabo, fingindo querer salvar-nos, acaba sempre por trazer a corda para nos enforcar.
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Figueiredo Pimentel
(Histórias da baratinha. Rio de Janeiro; Belo Horizonte, Livraria Garnier, 1994, p.103-106 - Biblioteca de Autores Célebres da Literatura Infantil, 2)
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