Éramos seis ou oito que ali nos encontrávamos, silenciosos, em contemplação, o olhar voltado para a África longínqua para onde nos dirigíamos. O comandante, que fumava um charuto conosco, retomou subitamente a conversa do jantar.
"Sim, tive medo naquele dia. Meu navio permaneceu seis horas com o rochedo encravado no bojo, sacudido pelo mar. Felizmente, fomos recolhidos à tarde por um carvoeiro inglês que nos avistara."
Então, um homem alto, de rosto tisnado e aspecto grave, um desses homens que nos dão a impressão de terem atravessado vastos e desconhecidos países, no meio de perigos constantes, e cujo olhar tranqüilo parece conservar, lá no fundo, algo das paisagens estranhas que viu, um desses homens que adivinhamos forjados na coragem, falou pela primeira vez:
"Comandante, o senhor diz que teve medo; não acredito nisso. Engana-se em relação ao sentido da palavra e à sensação que experimentou. Um homem enérgico jamais sente medo diante de um perigo iminente. Fica emocionado, agitado, ansioso; mas o medo é outra coisa".
O comandante replicou, rindo:
"Essa agora! Garanto-lhe que tive medo, sim".
Então, o homem de tez bronzeada falou com voz lenta:
- Permitam-me que me explique! O medo (e os homens mais valentes podem sentir medo) é algo terrível, uma sensação atroz, uma espécie de dilaceramento da alma, um tremendo espasmo da inteligência e do coração, cuja simples lembrança nos faz estremecer de angústia. Mas, quando se é corajoso, isso não acontece diante de um ataque, nem diante da morte inevitável, nem diante de qualquer das formas conhecidas do perigo; isso acontece em determinadas circunstâncias anormais, sob determinadas influências misteriosas e diante de riscos vagos. O verdadeiro medo é algo como uma reminiscência dos terrores fantásticos de outrora. Um homem que acredita em fantasmas e que imagina ver espectros à noite deve sentir o medo em todo o seu medonho horror.
Quanto a mim, descobri o medo em pleno dia, há cerca de dez anos. Tornei a senti-lo durante o inverno passado, numa noite de dezembro.
E, no entanto, passei por muitos perigos, por muitas aventuras que pareciam mortais. Lutei muitas vezes. Fui largado como morto por ladrões. Na América, fui condenado à forca como insurreto, e fui atirado ao mar do tombadilho de um navio, nas costas da China. Em cada uma dessas ocasiões, julguei-me perdido e resignei-me à situação sem sentir compaixão nem lamentar-me.
Mas o medo não é isso.
Pressenti-o na África. Entretanto, ele é filho do Norte; o sol dissipa-o como a um nevoeiro. Reparem bem, senhores. Para os orientais, a vida não tem valor; a resignação é fácil; as noites são límpidas e sem lendas, as almas igualmente livres das sombrias inquietações que perseguem os cérebros nos países frios. No Oriente, podem conhecer o pânico, mas ignoram o medo.
Pois bem, eis o que me aconteceu nas terras da África:
Eu atravessava as grandes dunas ao sul de Ouargla. É uma das mais estranhas regiões do mundo. Os senhores conhecem a areia compacta, a areia lisa das intermináveis praias do oceano. Pois bem! Imaginem o próprio oceano transformado em areia em meio a um furacão; imaginem uma tempestade silenciosa de vagas imóveis de poeira amarela. São altas como montanhas, essas vagas desiguais, estranhas, erguidas como ondas desencadeadas, porém maiores ainda e estriadas como o chamalote. Sobre esse mar furioso, mudo e imóvel, o sol meridional, incandescente, incide sua chama implacável e direta. É preciso escalar essas vagas de cinza dourada, descer, tornar a subir, subir o tempo todo, sem descanso nem sombra. Os cavalos arquejam, afundam até os joelhos, e escorregam ao descer a outra vertente dessas surpreendentes colinas.
Éramos dois amigos acompanhados por oito spahis e quatro camelos com os respectivos cameleiros. Não falávamos mais, prostrados de calor e fadiga, e ressequidos pela sede como esse deserto ardente. De súbito, um dos nossos homens soltou uma espécie de grito; todos pararam e permanecemos imóveis, surpreendidos por um inexplicável fenômeno conhecido pelos viajantes daquelas regiões perdidas.
Em algum lugar, perto de nós, numa direção indeterminada, um tambor rufava, o misterioso tambor das dunas; rufava distintamente, ora mais forte, ora mais fraco, parando e depois recomeçando seu rufar fantástico.
Os árabes olhavam-se apavorados e um deles disse na sua língua: "A morte paira sobre nós". E eis que, inesperadamente, meu companheiro, meu amigo, quase meu irmão, caiu do cavalo, de cabeça, fulminado por uma insolação.
E durante duas horas, enquanto em vão eu tentava salvá-lo, esse tambor invisível encheu-me os ouvidos com seu rufar monótono, intermitente e incompreensível; e, diante desse morto querido, naquele buraco incendiado pelo sol, entre quatro montes de areia, eu sentia o medo insinuar-se dentro dos meus ossos, o verdadeiro medo, o horrível medo, enquanto o eco desconhecido nos trazia, a duzentas léguas de qualquer aldeia francesa, o rufar rápido do tambor.
Naquele dia compreendi o que era sentir medo; soube-o ainda melhor numa outra vez...
O comandante interrompeu o narrador:
"Perdão, senhor, mas esse tambor? O que era?
O viajante respondeu:
- Não sei. Ninguém sabe. Os oficiais, surpreendidos muitas vezes por esse ruído singular, atribuem-no geralmente ao eco ampliado, multiplicado, desmesuradamente aumentado por aquela série de pequenos vales formados nas dunas, eco formado pelas saraivadas de grãos de areia carregados pelo vento que esbarram em tufos de ervas secas; pois sempre se observou que o fenômeno ocorre nas proximidades daquelas plantinhas queimadas pelo sol e duras como pergaminho.
Esse tambor, portanto, não passaria de uma espécie de miragem sonora. Aí está. Mas só soube disso mais tarde.
Chego à minha segunda emoção.
Foi no inverno passado, numa floresta a nordeste da França. A noite chegou duas horas mais cedo, de tal modo o céu estava sombrio. Tinha por guia um camponês que caminhava ao meu lado por uma trilha muito estreita, sob uma abóbada de abetos através de cuja ramagem uivava um vento furioso. Por entre a copa das árvores, via nuvens correndo em desordem, nuvens enlouquecidas que pareciam fugir de algo aterrador. Às vezes, sob uma rajada violenta, toda a floresta se inclinava na mesma direção com um gemido de dor: e o frio me invadia, apesar do meu passo rápido e das minhas roupas pesadas.
Devíamos cear e dormir na casa de um guarda florestal da qual nos aproximávamos. Eu ia lá para caçar.
Às vezes, meu guia erguia os olhos e murmura: "Que tempo horrível!" Depois falou-me das pessoas da casa para onde íamos. Dois anos antes, o pai matara um caçador furtivo e desde então se tornara taciturno, como que perseguido por uma recordação. Tinha dois filhos casados que viviam em sua companhia.
As trevas eram cerradas. Nada via à minha frente nem à minha volta, e a ramagem das árvores que se entrechocavam enchia a noite de um contínuo sussurro. Enfim, avistei uma luz e meu companheiro não tardou em bater a uma porta. Responderam-nos gritos agudos de mulheres. Depois, uma voz de homem, uma voz abafada, perguntou: "Quem vem lá?" Meu guia se identificou. Entramos. O que se viu, então, foi um quadro inesquecível.
Um velho de cabelos brancos, olhar de louco, com uma espingarda engatilhada na mão, esperava-nos de pé no meio da cozinha, enquanto dois robustos rapazes armados de machados guardavam a porta. Divisei duas mulheres ajoelhadas em cantos sombrios, o rosto voltado contra a parede.
Explicamo-nos. O velho tornou a encostar a arma na parede e mandou preparar o meu quarto; depois, como as mulheres não se movessem, disse-me bruscamente:
"Veja, senhor, matei um homem faz dois anos nesta noite. No ano passado ele voltou para chamar-me. Espero-o ainda esta noite".
E acrescentou num tom que me fez sorrir:
"Por causa disso não estamos tranqüilos".
Tranqüilizei-o como pude, feliz por ter vindo justamente naquela noite e assim assistir ao espetáculo desse terror supersticioso. Contei algumas histórias e quase cheguei a acalmar todos eles.
Junto à lareira, um velho cão, bigodudo e quase cego, um desses cães que se parecem com conhecidos nossos, dormia com o focinho entre as patas.
Lá fora, a tempestade enfurecida sacudia a pequena casa e, através de uma estreita vidraça, colocada junto à porta, eu via, de repente, à luz de grandes relâmpagos, o arvoredo açoitado pelo vento.
Apesar dos meus esforços, percebia que um terror profundo dominava aquelas pessoas e, sempre que parava de falar, todos os ouvidos escutavam ao longe. Cansado de assistir a medos imbecis, ia pedir para me deitar quando, de súbito, o velho guarda saltou de sua cadeira, tornou a apanhar a espingarda, balbuciando com uma voz alucinada:
"Ele está aqui! Ele está aqui! Ouço-o". As duas mulheres tornaram a cair de joelhos em seus cantos, escondendo o rosto; e os filhos voltaram a pegar nos machados. Ia tentar novamente acalmá-los quando o cão adormecido despertou de repente, levantou a cabeça, esticou o pescoço e, fitando o fogo com seus olhos quase cegos, soltou um desses uivos lúgubres que fazem estremecer os viajantes quando passam à noite pelos campos. Todos os olhos voltaram-se para ele, que agora permanecia imóvel, erguido sobre as patas como que perseguido por uma visão, uivando para qualquer coisa invisível, desconhecida, medonha sem dúvida, pois tinha o pêlo todo eriçado. O guarda, lívido, gritou: "Ele o está sentindo! Ele o está sentindo! Ele estava lá quando o matei". E as duas mulheres, desvairadas, começaram a uivar junto com o cão.
Involuntariamente, um grande arrepio percorreu-me a espinha. A alucinação do animal, naquele lugar, àquela hora, no meio daquela gente alucinada, era um espetáculo medonho.
Então, durante uma hora, o cão uivou sem se mover; uivou como na angústia de um pesadelo; e o medo, o horrível medo, apoderou-se de mim. Medo de quê? Será que sei? Era o medo, eis tudo.
Permanecíamos imóveis, lívidos, na expectativa de algo pavoroso, o ouvido atento, o coração agitado, sobressaltando-nos ao menor ruído. E o cão começou a andar em torno da sala, farejando as paredes e continuando a ganir. Esse animal nos enlouquecia. De repente, o camponês que me trouxera, tomado por uma espécie de paroxismo de terror, jogou-se sobre ele e, abrindo a porta que dava para um pequeno pátio, enxotou-o.
Imediatamente o cão se calou: e nós ficamos mergulhados num silêncio ainda mais aterrador. Depois, todos nós estremecemos ao mesmo tempo: um ser deslizava contra a parede externa da casa, do lado da floresta; passou pela porta, que pareceu tatear com mãos hesitantes; depois não se ouviu mais nada durante dois minutos que quase nos enlouqueceram; em seguida, tornou a voltar, sempre roçando a parede; e arranhou-a ligeiramente como faria uma criança com a unha; e, subitamente, uma cabeça surgiu atrás da fresta de vidro, uma cabeça branca com olhos luminosos como os das feras. E um som saiu-lhe da boca, um som indistinto, um murmúrio de lamento.
Então, um estrondo formidável ressoou na cozinha. O velho guarda disparara. Imediatamente, os filhos se precipitaram e taparam a fresta, empurrando contra ela a enorme mesa que prenderam com o aparador.
Juro-lhe que, ao ouvir o inesperado tiro, senti uma tal angústia no coração, na alma e no corpo, que me senti desfalecer, prestes a morrer de medo.
E assim ficamos até o nascer do sol, incapazes de fazer um só movimento, de dizer uma única palavra, tomados de um intraduzível pânico.
Ninguém ousou desobstruir a porta a não ser quando percebemos, por uma fenda do alpendre, um tênue raio de luz.
Junto à parede, contra a porta, o velho cão jazia, a garganta despedaçada por uma bala.
Saíra do pátio cavando um buraco por baixo da cerca.
O homem de rosto moreno calou-se; depois acrescentou:
"Nessa noite, entretanto, não corri nenhum perigo; mas preferiria reviver todas as horas nas quais enfrentei os mais terríveis perigos, ao simples minuto do tiro sobre a cabeça barbuda atrás da fresta envidraçada".
(23 de outubro de 1882)
(Tradução de José Thomas Brum)por Guy de Maupassant
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