Era uma vez um moço muito bonito, bonito mesmo. Olhos azuis, cabelos louros, rosto de anjo, corpo gracioso, rico e que tinha carneiros que era um despropósito.
Um dia estava ele nos altos, bem nos altos de um grande morro, maior do que ali o nosso morro da Cruz, quando, olhando pra longe, viu que vinha uma nuvem grande e preta feito tinta.
— Virge Nossa Senhora!... — gritou ele. — Lá evem uma tempestade dos diabos!
Desceu, correndo, do morro, assoviou os cães de guarda, tocou a carneirada pela estrada larga e chegou numa ponte que tinha de atravessar. A ponte era comprida como daqui até lá na venda de sô Zé Havera. Mas no diabo da tal ponte os carneiros só podiam passar numa só fila: um atrás do outro, de tão estreita que ela era. Pois bem. O moço botô um cão na frente e, atrás dele, um carneirão guia e foi tangendo e gritando da entrada da ponte:
— Cá... cá... cá... anda, Brinquinho!... anda, Rola!... Eh! Eh! Vamo, carneirada!...
Mas não é que o diabo do cachorro que ia na frente, parou no meio da ponte, assentou-se e começou a se coçar feito um danado? E a carneirada nada de poder passar...
O moço, aí, gritou para o cachorro:
— Anda, Valente... cachorro dos diabo!
Mas qual o quê? O cachorro não ouviu nada com o barulho do rio...
Neste momento, o contador calou-se, tirou um toco de cigarro de palha que estava entre a orelha e a cabeça, bateu a binga e ficou fumando bem quieto de seu.
— Continua, seu Moreira. — pediu um dos meninos.
— Lá vai, gente. Agora é que o cachorro de levantou. Lá vai ele, o carneirão e aquela fila comprida de carneiro... tudo branquinho... bonito mesmo!
Nova e longa pausa do contador.
— Seu Moreira!... Seu Moreira!... — arriscou timidamente outro dos pequenos ouvintes — faz de conta que já passou tudo. Os carneiros estão todos do outro lado. E agora?
— Não, — diz o Moreira, — assim não serve. História é história. Deixa os carneiros passar devagar... E, olha, vocês não ficam falando muito não que agora mesmo vocês espantam eles e eles caem na água, se espalham e vai ser um Deus nos acuda para ajuntar tudo outra vez.
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- Extraída do artigo de Levi Braga, "Contos de burla". Província de São Pedro, nº 11, março-junho de 1945 - Fonte: Jangada Brasil.
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