terça-feira, 19 de julho de 2011

Não sou uma qualquer!

Ela notou que ele estava meio bronqueado por causa das respostas monossilábicas que dava às suas per­guntas. Conhecia-o muito bem. Quando ele ficava emburrado para falar é porque estava com minhoca na cuca.

— Que é que há, meu bem? Você está meio chateado! Ele não respondeu logo. Meteu um suspensezinho legal, puxando uma tragada forte do cigarro. Depois ca­minhou até o armário da sala, tirou uma garrafa de uísque e deu aquele gole prolongado no mais belo e ultrapassa­do estilo Humphrey Bogart. Depois sentou-se na poltro­na, cruzou as pernas e disse:

— ... É andaram me buzinando aí umas coisas.

— A meu respeito? — e ela espalmou a mão sobre o cobiçado busto.

Novo silêncio, e a distinta, muito preocupada, levan­tou-se de onde estava e foi se aninhar no colo dele. Fez vozinha de criança:

— Meu queridinho, conta pra ela, vá! Deve ser mais uma fofoca dessa gente, mas é melhor você contar logo pra ela, sabe? Assim a gente tira logo as dúvidas. Não gosto de ver o meu querido zangado não - e começou a enfi­ar os dedos esguios e bem tratados pelos cabelos dele.

O cara suspirou, todo despenteado, e foi soltando o que tinham contado pra ele. Tinha sido na noite de apre­sentação do Charles Aznavour, no Copacabana Palace, a mais recente badalação de grã-fino com renda para ex­cepcionais. Agora a moda é esta: tudo o que é festa de grã-fino é para dar renda para excepcionais, pois ninguém é mais excepcional do que um grã-fino.

Ela tinha ido à tal apresentação do cantor francês e fizera muito sucesso. A Léa Maria deu até uma nota no Caderno B, dizendo que ela estava um show. De fato (enquanto ele falava ela ia se recordando), o seu vestido opart, com mini-saia, foi um sucesso. Era daquela saia que, quando a mulher senta, a saia some e aparece o que a saia tinha obrigação de fazer sumir. Um fenômeno da eleva­ção dos costumes — como diz a veneranda Tia Zulmira.

— Me disseram que você flertou a noite toda — o cara falou.

Ela esticou-se, ainda sentada em suas pernas. Outra vez a mão espalmada sobre o cobiçado busto:

- Eu ???

Ele ratificou. Ela mesma. Tinham contado pra ele que ela dançara de rosto colado com um tal de Collatini.

— Cola aonde? — perguntou ela.

— Collatini.

Ela ficou indignada. De fato, os Collatini, de São Pau­lo, estavam na mesa dela, mas isto era uma infâmia. Imagi­nem, logo quem? O Collatini, aquele velhote. De maneira nenhuma. De mais a mais, a Bequinha, mulher do Collati­ni, era sua amiga de infância. Essa gente é assim mesmo. Quando não tem nada para comentar sobre uma mulher... inventa. Dela eles não podiam dizer nada, tá bem? Absolutamente nada.

Nunca deu margem para falatório nenhum. Pelo contrário: procurava se portar em público — aliás, procurava se portar em qualquer lugar, ora esta! - com a máxima dignidade, justamente por isso. Porque sabia que essa gente de sociedade é fogo; não pode ver uma mulher bonita fora da panelinha desses cretinos, que começa logo a tentar descobrir coisas, para fazer dos outros gente igual a eles. É isto mesmo: falam só para justificar a vida que levam, esses amorais. Mas com ela não.

— Comigo não — repetia indignada: — Eu não sou uma qualquer!

Ele, impressionado com a reação dela, puxou-a para o seu regaço. Deu-lhe mais um beijo e falou baixinho que sabia disso, sabia que ela não era uma qualquer.

Pouco depois ela se levantava do colo dele, ia até o banheiro: ajeitou-se, pintou-se e de lá mesmo perguntou:

— Meu be-em! Que horas são?

— Quase seis! — respondeu o cara.

Ela veio espavorida lá de dentro, deu-lhe um beiji­nho rápido, apanhou uns embrulhinhos de compras que deixara sobre a mesa, quando chegara, e despediu-se:

— Tchau, querido! Deixa eu correr se não meu mari­do me mata!

E foi embora.

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Por:  Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).

Fonte: FEBEAPÁ 1: primeiro festival de besteira que assola o país / Stanislaw Ponte Preta; prefácio e ilustração de Jaguar. — 12. ed. — Rio de Janeiro; Civilização Brasileira, 1996.

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