segunda-feira, 14 de outubro de 2013

Faquirismo e provocação

Os mais assíduos (leitores, naturalmente) devem estar lembrados do que escrevemos no dia em que Silki — o Pele da Fome — entrou novamente numa urna de vidro para tentar recuperar para o Brasil o recorde da dita, ora nas mãos, ou melhor, no estômago do francês Burmah. Escrevemos na ocasião que o grande inimigo desse Didi da inanição seriam as provocações do público, um público que pagava para chatear o faquir.

Já da última vez que Silki bateu o recorde, a coisa tinha acontecido. Inimigos da fome pagavam entrada para ver o faquir, chegavam junto à urna de vidro munidos de pastéis, empadinhas e outras guloseimas, e ficavam comendo na frente dele, para ver o bicho que dava.

O faquir resolveu temporariamente o problema fechando os olhos, para não ver. Surgiu, porém, um torturador requintado que comia a empadinha e cuspia o caroço em cima da urna, com toda a força. Ora, sendo a urna de vidro, o caroço ao bater fazia tiliiiiiimmmm... obrigando o coitado a abrir os olhos de susto.

Agora a provocação foi maior. Silki pretendia ficar mastigando vento 108 dias — temporada que lhe traria o recorde de volta — mas abandonou a urna com 36 dias, vítima de um ataque de nervos e a conselho de seu médico assistente, que o retirou à força ajudado pelo delegado de Costumes e Diversões.

Silki não queria sair, mas seus nervos estavam em tal estado, que foi obrigado a ceder e se internar numa Casa de Saúde, onde ainda se encontra. O secretário do faquir falou à imprensa e contou, revoltado:

— Muitas pessoas, ao visitá-lo, exibiam pratos variados e apetitosos, como galinha assada, empadas, doces etc. E o pior é que, pela madrugada, lá chegavam mulheres trajando roupas escandalosas, algumas até exibindo certas partes do corpo. Silki não agüentou. Vejam vocês que baianada!

O secretário não explicou pra imprensa quais as partes do corpo que as elegantes exibiam, mas isto não importa. Mulher — quando é boa — qualquer parte serve, conforme costuma dizer nosso nefando primo Mirinho — o crápula.

Também não explicou qual das abstinências provocou o estado de nervos de Silki. A gente, porém, tira as conclusões.

Da outra vez ele bateu o recorde mesmo com a provocação de exibições gastronômicas. Desta vez é que começou a novidade de mulher ir provocá-lo. Portanto, dos seus jejuns, ele deve ter sucumbido ao segundo.


Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.