sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

O chocalho da cascavel

A cascavel é uma réptil muito comum no Brasil e apesar de ser venenosa, não podemos negar que é um animal fantástico, principalmente por apresentar aquele chocalho interessantíssimo na ponta da cauda. Mas vocês já pararam para pensar do que exatamente é feito o chocalho da cascavel? Ou como ele é formado? E porque faz aquele barulhinho?

Aquele chocalho na verdade é formado por segmentos endurecidos, e quando a cobra se sente ameaçada, ela balança a cauda, resultando naquele barulhinho característico que geralmente, afasta rapidamente o perigo. A finalidade do som produzido pelo guizo é de advertir a sua presença e espantar os animais de grande porte que lhe poderiam fazer mal. É uma ótima chance de evitar o confronto, não é?

A cascavel, por razões não bem entendidas, em vez de sair completamente de sua pele antiga, mantém parte dela enrolada na cauda em forma de um anel cinzento grosseiro. Com o correr dos anos, estes pedaços de epiderme ressecados formam os guizos que, quando o animal vibra a cauda, balançam e causam o ruído característico. E é através desta informação que os especialistas ficam sabendo quantas mudas de pele aquela cobra teve.

O veneno da cascavel é muito forte. Algumas espécies de cascavel possuem em seus venenos propriedades proteolíticas (necrosante), outras (como as que ocorrem aqui no Brasil) possuem veneno neurotóxico (que atua no sistema nervoso), fazendo com que a vítima tenha dificuldades de locomoçãoe respiração, o que pode levar a morte. As Cascavéis são perigosas, mas só são agressivas se forem molestadas.

Fontes: Diário de Biologia.

As múmias dos chinchorros

Múmia chinchorra
Uma remota comunidade de pescadores da América do Sul tinha praticado a arte da mumificação antes mesmo do nascimento da civilização e pelo menos 2.000 anos antes dos lendários preparadores de múmias do antigo Egito. Já há algum tempo que se sabia que um povo antigo vivera outrora na costa de Atacama, na extremidade do deserto. Foi-lhes dado o nome de Chinchorros da palavra espanhola para designar uma pequena rede de pesca em forma de bolsa.

Os chinchorros vieram dos Andes, descendo os rios da cordilheira até o mar. Ocuparam os estuários da costa do Pacífico atraídos pela abundância de peixes, focas, moluscos e pelicanos, e viraram pescadores. A região em que se fixaram é uma das habitadas há mais tempo na América.

Segundo o professor Virgilio Schiappacasse, do Museu Natural de Santiago de Chile, na costa chilena há sítios arqueológicos, do complexo cultural Huentelauquen, com mais de 9.000 anos. “Em sítios andinos como Tojo-Tojone e Patapatane, de 9.400 anos, foram achados moluscos e ossos de peixe, confirmando o intercâmbio entre as montanhas e a costa.”

Os primeiros vestígios dos chinchorros foram descobertos pelo arqueólogo alemão Max Uhle em 1917. Desde estão, já foram desenterrados 282 corpos no deserto de Atacama, ao norte do Chile, dos quais 133 preservados naturalmente e 149 mumificados. Conhece-se ainda muito pouco sobre essa cultura fúnebre. Segundo o arqueólogo Bernardo Arriaza, da Universidade de Tarapacá, em Arica, Chile, as sofisticadas técnicas de conservação dos corpos foram “uma invenção local, melhorada pouco a pouco”. Mas o incrível mesmo é a antigüidade das múmias. A mais velha delas data de 5.050 a.C. Ou seja, 2.000 anos antes da mumificação surgir no vale do Rio Nilo, no Egito.

O embalsamamento exigia um longo trabalho meticuloso. Desenvolveram técnicas e estilos diferentes: de 5.050 a.C. a 2.800 a.C., removiam a pele, a carne e os órgãos do corpo (incluindo olhos e cérebro), deixando mãos e pés, cujos ossos diminutos dificultam o trabalho. Para sustentar o esqueleto, atavam pedaços de madeira à espinha, pernas e braços. O corpo era estofado com junco, plantas secas e uma pasta de cinzas e água, amalgamada com sangue de foca, ovos de aves e cola de peixe. A pele era recolocada e o rosto esculpido como máscara, com nariz, olhos e boca. Tudo pintado com tinta negra, extraída de areia rica em mangânes da praia. Uma peruca de cabelos humanos dava o arremate final.

De 2.800 a.C. a 1.700 a.C. a tinta passou a ser ocre vermelho, extraída de rochas. Os cadáveres deixaram de ser desmembrados e os órgãos eram retirados através de incisões. O corpo era estufado com terra. Tripas de pele humana ou de pelicano enrolavam pernas e braços. O último período durou de 1.700 a.C. a 1.500 a.C, quando os órgãos deixaram de ser retirados. O corpo passou a ser tratado só externamente, recoberto por uma pasta endurecida feita de lama, areia e cola de peixe.

Os chinchorros, afirma Arriaza, tinham uma relação de reciprocidade com os mortos, orientada para as necessidades dos vivos. “Cuidando das múmias, procuravam proteção dos antepassados. Os tempos eram difíceis. A costa sofria muitos terremotos e maremotos.” Esse, aliás, é o único vínculo entre esses pescadores pré-históricos e os incas, cujo império se consolidou 3 000 anos depois. Ambos povos veneravam os cadáveres. “Os mortos faziam parte da sociedade”, diz Arriaza. “Em muitas culturas eles são depositados em lugares distantes das aldeias. Mas entre os chinchorros e os incas não.”

A arqueologia andina deve muito à Companhia de Águas de Arica, no Chile. Uma instalação de encanamentos no costão de El Morro, na periferia da cidade, no dia 25 de outubro de 1983, revelou um cemitério inteiro a um metro de profundidade. Os arqueólogos do Museu Arqueológico San Miguel de Azapa, da Universidade de Taracapá, tiveram a surpresa de suas vidas. “Havia 96 corpos”, conta Bernardo Arriaza. “A maior parte, múmias sofisticadas, de períodos distintos, ao longo de 3 500 anos. As múmias artificiais mais antigas do mundo”.

El Morro revelou objetos, anzóis, arpões e lanças que mudaram o entendimento da pré-história americana. Os objetos mostraram que, ao contrário do que se supunha, os chinchorros não eram caçadores ou coletores que migravam por longas distâncias, mas populações estáveis, assentadas em vilas de pescadores.

A análise do intestino das múmias revelou 3 000 anos de dieta estável: peixe, foca, moluscos, algas, alguns poucos animais terrestres como o veado e o guanaco, e sementes de tomate e hortelã. Quase 20% sofriam de vermes, talvez porque comessem cru ou parcialmente cozido. Em compensação, não tinham cáries, porque peixes não têm carbohidratos capazes de danificar os dentes. A julgar pelos chinchorros, muita coisa ainda pode ser descoberta na pré-história americana.

Para saber mais:

Beyond Death: The Chinchorro Momies of Ancient Chile, Bernardo Arriaza, Washington, Smithsonian Press, 1995; Cidades Perdidas e Antigos Mistérios da América do Sul, David Hatcher Childress, São Paulo, Siciliano, 1987; Poder Político e Religião nas Altas Culturas Pré-Colombianas, Ciro Flamarion Cardoso, In: América em Tempo de Conquista, Ronaldo Vainfas, Rio, Jorge Zahar, 1992.

Fontes: Revista Superinteressante; Corvo Branco tripod.com.

Vesalius, o ladrão de carcaças

Considerado um dos fundadores da ciência da Anatomia humana, o belga André Vesálio (1514-1564) já nasceu próximo a cadáveres. Da casa de seus pais, na entrada da cidade de Bruxelas, enxergava-se o local onde criminosos executados tinham seus corpos pendurados para que as aves de rapina os devorassem até os ossos.

Seu nome original, Andries van Wesel, foi posteriormente latinizado para Andreas Vesalius. Nasceu em Bruxelas, filho de um boticário. Brilhante aluno de Medicina, com apenas 23 anos Vesálio ocupou a cadeira de Cirurgia Anatômica da Universidade de Pádua, na Itália, a melhor escola médica da época.

Seu grande mérito foi revelar o funcionamento do corpo humano a partir da dissecação de cadáveres, registrando em belos desenhos tudo o que descobria. Para tanto, aproveitava todas as oportunidades, legais ou ilegais, a fim de se abastecer de espécimes. "O meu desejo de possuir aqueles ossos era tão grande que, no meio da noite, sozinho e entre todos aqueles cadáveres, não hesitava em tirar o que desejava", chegou a confessar.

Em 1537 é nomeado professor da universidade italiana e dá aulas também em Pisa e Bolonha. Em 1544 torna-se médico particular de Carlos V e, em 1559, de Felipe II, ambos reis da Espanha. Publica em 1538, em Veneza, as Seis Pranchas Anatômicas, nas quais antecipa a moderna nomenclatura de anatomia. Sete Livros sobre a Estrutura do Corpo Humano, sua obra mais significativa e publicada em 1543, descreve os sistemas muscular e ósseo e contesta os ensinamentos dos médicos antigos.

É condenado à morte pela Inquisição em 1561, por haver dissecado um corpo humano. Felipe II consegue comutar a pena para uma peregrinação a Jerusalém. Morre na volta, quando o navio em que viaja naufraga na ilha de Zante, na costa da Grécia.

Fontes: Superinteressante; Algo Sobre.

Bruxas em Santa Catarina

Quando de um casal nascem sete filhas, sem nenhum menino de permeio, a primeira ou a última será, fatalmente, uma bruxa. Para que isso não venha a acontecer faz-se mister que a mana mais velha seja a madrinha de batismo da mais moça. São apontadas como tal certas mulheres magras, feias, antipáticas.

Dizem que têm pacto com o demônio, lançam maus olhados, acarretam enfermidades com os seus bruxedos, etc. Costumam transformar-se em mariposas e penetrar nas casas pelo buraco das fechaduras.

Têm por hábito chupar o sangue das crianças ou mesmo de pessoas adultas, fazendo-as adormecer profundamente. A marca do chupão deixado na pele, chamado o vulgo de "melancolia". Para que as crianças não batizadas não sejam atacadas pela bruxas, deve-se à noite conservar a luz acesa no quarto. Sabe-se que uma mulher é bruxa, quando dá a apertar a mão canhota esquerda.

Para se descobrir a bruxa que chupa o sangue da criança e ela logo apareça, soca-se, em um pilão a camisa da criança ou da pessoa por ela chupada. Ela logo se apresenta e pede para que não façam aquilo.

Existe também uma oração contra elas; quem a possui consegue descobri-la e prendê-la e também não adormece quando ela à noite penetra em casa. A pessoa assim premunida toma, para prendê-la, de um tacho ou uma medida de alqueire e logo que a bruxa entra em casa, emborca o tacho ou a medida e ela fica incapaz de sair.

Há ainda outro processo de identificar uma bruxa: vira-se a lingueta da fechadura de uma canastra. A bruxa, ao entrar em casa, a primeira coisa que faz é pedir para endireitar a lingueta.
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Fonte: BOITEUX, Lucas A. "Achegas à poranduba catarinense". Em Boletim trimestral da sub-comissão catarinense de folclore

O diabo e seus parentes

Sabendo-se (como se sabe) que o diabo não é um só, mas legiões (precisamente — segundo cálculo de antigos e conspícuos demonólogos: 1.758.064.176 capetas...) é natural que se julgue haver, entre tantos demônio, certas relações de parentesco, mais ou menos estreitas.

Tomando porém, o diabo ou um diabo só — também será natural supor tenha até pai e mãe, e — se casado — mulher e filhos. Pelo menos, o povo simples assim o entende, referindo até, em contos, provérbios e expressões usuais, esse parentesco danado.

Num livro interessante, escrito por autor argentino que esteve na Bélgica e lhe vasculhou o folcore, El diablo em Bélgica, de Roberto J. Payrú (Buenos Aires, 1953, p.18) — se divulga uma velha crendice daquele país, segundo a qual "cuando llueve y hace sol, al propio tiempo, para nosotros [os argentinos] 'se casa una vioja', mientras que en Bélgica, 'el diablo azota, a su mujer (o a su madre) y casa a su hija'. En el dicho valón:

S é l'oyal ki bat'si mor
é ki maréy si fèy"

O que significa, em vernáculo: É o diabo que bate na mãe e casa a filha.

Já aí temos, portanto, alguns parentes do diabo: a mãe, a mulher e a filha.

Conheço um provérbio português em que se encaixa também o diabo e sua mãe dele. Vejo-o transcrito num dos livros de Camilo, A corja (Lelo, Lisboa, 1943, p.81), no seguinte passo: "— Pois você que cuidava do barão? Quando eu lhe disser que a burra é preta, olhe-me para o cabelo. Eu não lhe dizia que entre o Macário e a Felícia, que viesse o diabo a escolhesse? Isto tudo é uma corja. Tão bom é o diabo como sua mãe..."

Cá no Brasil, também corre outro adágio alusivo à mãe do diabo. Deparo-o no livro de Guimarães Rosa, Corpo de baile (José Olympio, Rio de Janeiro, 1956, v.1, p.184), referindo-se a um lugar perigoso ou nos cafundós do juda: "O lugar era da mãe do demo".

Dessa mãe do diabo — o povo (que sabe coisas do arco da velha) conhece até o nome!

Ora veja o leitor incrédulo este pequeno conto popular português, que retiro da Revista Lusitana (v.22, Lisboa, 1919, p.125), do estudo que faz José Diogo Ribeiro, acerca do folclore da vila de Turquel (Portugal): "Por divertimento o diabo, uma vez, despediu uma frecha contra sua mãe, e indo-lhe logo no encalço, apanhou-a no ar. Mais tarde inventou ele as armas de fogo; e um dia, pegando, numa dessas armas, apontou à mãe, disparou, e correu no propósito de deter a bala. Mas esta, mais veloz, introduzira-se já no alvo, e era uma vez a 'Faísca-Velha'..."

Em nota a esta Faísca-Velha, diz o autor do estudo: "Segundo o povo, é esse o nome da mãe do Diabo, a qual figurava em tempo — dizem — num retábulo da igreja de Alcobaça".

Sabe-se na Bretanha, que a mãe do diabo era mulher duma força extraodinária, tendo construído, numa só noite, uma grande ponte de pedra sobre um rio. A pedreira, de onde ela tirou os blocos para a construção, ainda se denomina: as pedras da mãe do diabo". (Cfr. Le folklore de la Bretagne, de Paul-Yves Sébillot, Paris, 1950, p.137).

Nesse mesmo livro informativo, temos ciência da existência de mais um parente do diabo — sua avó, mulher tão forçuda como a filha (a Faísca-Velha), segundo a tradição da Bretanha, "elle déposa, dans la forêt de Quéneéan, d'enormes rechers apportés aussi dans son tablier" (id. ib.)

Vimos, acima, que o diabo tem mulher e filha. Naturalmente, presume-se deveria ter também sogra. De fato, teve ele uma sogra tão... sogra que não teve dúvida em passá-la de graça ao primeiro que se apresentou ou se ofereceu para comprá-la.

Vamos ao caso.

Na Espanha corre um provérbio, calcado (segundo se presume) numa pequena história. Quando alguém quer, com empenho, descartar-se de alguma coisa que o aborrece ou lhe é molesta, diz, usando expressão proverbial: "Cuanto por la mula queres? — Vuestra es".

Como se vê, antes mesmo que o interpelante ofereça qualquer dinheiro pela compra da mula, já o vendedor diz, num ímpeto, doido para desfazer-se dela: — Vuestra es.

Agora, o conto popular — referido pelo folclorista Francisco Rodrigues Marins, em seu livro 12.600 Refranes más (Madri, 1930, p.70): "Así cuentam vendió el diablo su suegra: enchándola a las barbas al primero que le preguntó cuánto queria por ella".

Avó, mãe, mulher, filha e sogra do diabo — são estes os parentes a que no refere o povo, além daquele rapaz que se casou com a filha dele — genro infeliz cujo nome a tradição não registrou.

Cinco mulheres e um homem — parentes do diabo.

Se o leitor conhece mais algum, diga...
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Fonte: Neves, Guilherme Santos. "O diabo e seus parentes". A Gazeta. Vitória, 09 de março de 1958.

Armadilhas contra bruxas

1. O pai toma a primeira camisa usada pela criança, criva-a de agulhas, coloca-a dentro de um pilão de chumbar café e, com a mão de pilão, soca-a até que as agulhas penetrem na madeira do pilão — ou seja, no corpo da bruxa, que, não podendo resistir à dor, vai procurar a família, para confessar-se culpada, e perde o encanto.

2. Põe-se uma ceroula do pai, disposta em cruz, sobre a criança. Reza-se o creio-em-deus-padre de trás para diante. Sobre a mesa, ou numa cadeira, coloca-se um pires com água benta, conseguida na igreja, ou comum, apanhada na fonte numa sexta-feira antes do nascer do sol; dentro do pires, um bocado de cera virgem e a chave da porta principal. Os pais devem ficar acordados e atentos,no escuro. Quando a criança chorar (sinal de que a bruxa está a chupar-lhe o sangue), os pais devem, com a cera virgem, tapar o buraco da fechadura. Basta aguardar então o desencanto da bruxa, que se dará exatamente quandoo galo preto cantar.

3. Dentro de um baú de folha-de-flandres acende-se uma vela benta; reza-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante, sobre a chama da vela e abaixa-se a tampa do baú de tal modo que o ar possa nele penetrar, mantendo viva a chama. Coma casa às escuras, todas as chaves devem ser retiradas das portas e colocadas em cima do baú. Quando a criança chorar, os pais apanham as chaves de cima do baú, introduzem-nas nos buracos das fechaduras e acendem as luzes. Presa, a bruxa, coagida pela oração e pela vela benta, tenta fechar o baú. E, ao sentar-se em cima dele, perde o encanto.

4. Uma variante da anterior. Num meio alqueire de medir farinha, junto à cama da criança, acende-se uma vela benta, sobre a qual se reza o creio-em-deus-padre de trás para diante. A casa deve ficar às escuras, com todas as chaves sobre o meio alqueire. Quando a criança chorar, os pais apanham as chaves, introduzem-nas nas fechaduras e acendem as luzes. A bruxa, sentindo-se presa, procurará sentar-se sobre o meio alqueire, com o que se desencantará.

5. Põe-se uma tesoura, aberta em cruz, numa mesa próxima ao berço da criança. As chaves das portas devem estar num pires com água benta. A casa estará às escuras. Quando a criança chorar, os pais introduzem as chaves nas fechaduras e acendem as luzes. A bruxa, que tem horror a tesouras abertas, perde o encanto.

6. Cozem-se folhas de guiné, cordão-de-frade, limoeiro e arruda, nove dentes de alho e um pouco de mostarda. Com esse cozimento dá-se um banho na criança. Todos os irmãos e todas as pessoas da família, residentes na casa, devem lavar os pés na mesma água, até chegar a vez do pai, que reza o creio-em-deus-padre, de trás para diante, sobre a vasilha. Fecha-se então a porta, deixando-se a chave em falso, quase a cair, pela parte de dentro. Põe-se a vasilha com a água do cozimento abaixo da fechadura. Para penetrar na casa a bruxa deve empurrar a chave, que cairá dentro da vasilha, fazendo com que ela se desencante. Esta armadilha deve ser preparada às sextas-feiras, à hora da ave-maria.

Se estas armadilhas, mais simples, não dão resultado, — há bruxas mais sabidas e mais experientes do que as outras, que não se deixam apanhar com facilidade, — preparam-se outras, mais fortes e mais terríveis, não apenas para desmascarar, mas também para revidar, de algum modo, os poderes maléficos das bruxas, como as duas seguintes:

7. Num prato com água, perto da cama da criança, põem-se nove dentes de alho, numa sexta-feira, à hora da ave-maria, rezando-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante. Uma faca bem afiada deve estar sob a cama do doente. Retiram-se todas as chaves das portas, para que a bruxa possa entrar. Quando a criança chorar, dá-se-lhe uma colherinha da água que está no prato e corta-se, com a faca, um pedacinho da ponta de uma fita vermelha, comprida, que surgirá descendo da cumeeira da casa, em direção à boca da criança. Guarda-se o pedaço da fita, sem nada dizer a ninguém. Uma história corrente, relativa a esta armadilha, conta que o pedacinho de fita vermelha se transformou, no bolso do pai, numa orelha humana — a orelha da bruxa, que deste modo pôde ser identificada.

8. À hora da ave-maria, numa sexta-feira, põe-se, numa mesa próxima à cama da criança, um copo de cachaça sobre uma carta (usada) de baralho; com um cigarro de palha, de fumo-de-corda forte, e uma faca afiada e pontiaguda, faz-se uma cruz sobre a mesa. Reza-se o creio-em-deus-padre, de trás para diante. Quando a criança chorar, retira-se o copo de cima da carta de baralho, apanha-se a faca e com ela se golpeia ou decepa qualquer parte de um bicho que aparecerá nas bordas do copo ou em cima do cigarro ou da carta de baralho. Uma estória referente a esta armadilha conta que o pai, tendo cortado a pata de uma rã que se equilibrava na borda do copo, viu-a transformada em dedos humanos — os dedos da bruxa que chupava o sangue do seu filho.

Nestes dois últimos tipos de armadilha, no dia seguinte corre a notícia de que uma mulher da vizinhança foi acidentada. O pai, que deve manter o maior sigilo, terá de procurá-la, para que a armadilha dê o esperado resultado — a transformação mágia, em parte do corpo, das coisas que conseguiu arrancar à bruxa, quando esta cumpria seu triste destino.

Sempre que preparam uma armadilha, os pais devem estar prevenidos com um rabo-de-tatu, conservado no fumeiro da cozinha, para, quando a bruxa reassumir a forma humana, aplicar-lhe uma boa surra, até fazer sangue. Para reforçar a quebra do encanto, as feridas da bruxa devem ser lavadas em salmoura — sal, pimenta e alho ou sal, cachaça e vinagre.
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FONTE: Cascais, Franklin. "As bruxas da ilha de Santa Catarina". Revista Brasileira de Folclore, ano 3, nº 6, maio/agosto de 1963, p.125-130)

O carro do enterro

Era num sábado. Estava em festas o elegante e suntuoso palacete do visconde, a mais rica habitação que havia no Rio Comprido.  Casava-se a formosa Matilde, filha predileta do dono da casa, e ele festejava esse acontecimento o mais ruidosamente possível.

O palácio achava-se todo ornado por dentro e fora; uma esplêndida banda de música executada no saguão trechos escolhidos das óperas mais em moda, e a criadagem vestida com suas finas librés, circulava de um lado para outro, dispondo os últimos preparativos da ornamentação.

O cortejo havia partido às duas horas da tarde para a igreja, e na rua apinhava uma multidão curiosa de assistir à chegada dos noivos, ao regressarem da cerimônia nupcial.

* * *

Enquanto assim se dispunham as coisas para a folgança no suntuoso palacete do visconde, uma cena muito diferente se desenrolava em uma casa de mais que modesta aparência da mesma rua.

Em cima de uma mesa que havia na sala dessa casa, que era então um pardieiro, quase em ruínas, via-se, num caixão dos mais baratos que a Santa Casa fabrica, o corpo de uma moça amortalhada. Duas velas alumiavam-na, e em redor permaneciam as pessoas da família e alguns vizinhos, todos gente pobre.

Pai e mãe e irmãos dessa criatura morta desfaziam-se em amargo pranto e sentiam a alma rasgar-se pela mais fina das dores, nesse momento em que se ia fechar o caixão e levá-lo a um carro fúnebre parado à porta.

Pobre gente! Essa de quem iam separar-se para sempre era a sua boa Lúcia, filha e irmã mais velha, que todos estimavam tanto! Pobre Lúcia! Ela era o braço direito daquela família. Do seu trabalho vinham os minguados mil réis com que se pagava à venda, depois que o pai ficara aleijado e a mãe entisicara. A boa Lúcia sempre alegre, sempre resignada! Como não deviam sofrer os pobrezinhos, naquele terrível transe por que passavam.

* * *

O pai de Lúcia era um rude operário de obra grossa, um carpinteiro e tivera a infelicidade de quebrar uma perna, caindo de um andaime em que trabalhava.

Essa desventura foi o início de todas as desgraças que assaltaram a família. Conduzido para a Santa Casa, lá esteve quatro longos meses, entre a vida e a morte; e a mulher e os filhos começaram a curtir duras necessidades, pois o pai nada ganhava.

O taverneiro já fechava a cara quando iam às compras, e por mais que a mulher do carpinteiro e Lúcia, sua filha, se matassem numa tina a lavar roupa, o dinheiro não chegava para coisa alguma.

A mãe de Lúcia era uma mulher franzina e muito disposta para moléstias do peito. Com o trabalho excessivo que fazia, logo começou a deitar escarros de sangue pela boca, e dentro em breve nada mais pôde fazer. O carpinteiro tivera alta do hospital, mas não podia ainda trabalhar. Assim a pobre família achou-se na mais negra miséria.

No entanto Lúcia trabalhava cada vez mais. De dia não se arredava da tina de lavar roupa, de noite costurava até o galo cantar. Não pôde resistir por mais tempo à semelhante canseira, e também caiu enferma.

Uma circunstância veio ainda agravar o estado dos infelizes.

A casa em que Lúcia morava pertencia ao mesmo visconde a que já nos referimos, e ele ordenara ao carpinteiro que se mudasse, já que não podia pagar os aluguéis. O visconde, apesar de opulento, era inflexível em questões de dinheiro. De nada valeram os rogos do pobre carpinteiro que a ele se dirigiu, arrastando as muletas e com as lágrimas nos olhos. O visconde manteve a sua ordem.

"Se fosse a ouvir a choradeira de todos", dizia o titular, "bem depressa estaria reduzido a pedir esmola. Não era ele quem fazia as desgraças: era Deus. Pedissem-lhe contas".

O carpinteiro teve que desocupar a casa e fora meter-se no pardieiro de que já falamos e que por piedade lhe cedera um outro carpinteiro, seu amigo e compadre.

Era uma casa de todo imprópria para habitação humana: suja, úmida, acanhada.

Nela os padecimentos de Lúcia foram a mais, e no fim de quinze dias a pobre rapariga entregava a alma a Deus.

* * *

No entanto o cortejo nupcial tinha regressado da igreja, e de uma extensa fila de carros apearam os noivos, radiantes de felicidade, e bem assim a multidão dos convidados, homens e mulheres, abafados nas suas toaletes de uma rigorosa etiqueta.

Logo que os carros despejavam a luxuosa carga que traziam, foram manobrados pelos cocheiros, muito tesos nas suas boléias, soberbos nas suas sobrecasacas de casimira cor de camurça e nas suas finas botas de canhão, e entraram na porta-cocheira, aberta de par em par.

Noivos e convidados começaram a subir os degraus do vestíbulo. A noiva ia de olhos baixos, deliciosa, no seu vestido de seda branca, linda como uma tentação, debaixo de uma grinalda de flores de laranjeira. Da fisionomia do noivo, um guapo mancebo de vinte e poucos anos, transpirava a maior ventura, parecendo tonto pela felicidade.

Quando porém já tinham todos subido os três degraus do vestíbulo, o carro de enterro que transportava a pobre Lúcia ao cemitério chegava bem defronte ao palacete do visconde.

Era um carro dos de ínfima classe, todo preto e de cortinas esmolambadas, guiado por um cocheiro negro, de cartola de oleado amarrotada, libré sebosa, tendo a fisionomia aguardentada, e que, encarrapitado na boléia, chupava com a maior indiferença deste mundo em cigarro de papel.

Aquela mísera seguia para o cemitério sem o menor acompanhamento.

O carro vinha descendo a rua tranqüilamente, ao trote cansado de dois cavalos magros, ossudos. Quando, porém, chegou bem defronte ao palacete, os cavalos que pareciam incapazes de qualquer resistência, encabritaram-se e recusaram avançar. O cocheiro, que não esperava essa revolta dos pacíficos rocins, quase foi levado ao chão; e exasperado, vibrou o pinguelim no dorso das magras cavalgaduras, proferindo as mais cruas obscenidades.

Noivos e convidados, todos voltaram o rosto para ver o que se passava na rua. Os cavalos do coche fúnebre persistiram em não avançar, e o cocheiro, levado ao maior auge da exasperação, desandava os bichos com cabo do pinguelim.

Aquilo parecia mandado pelo diabo. Os cavalos pinoteavam, escouceavam, o cocheiro praguejavam como um possesso. Afinal dando os animais um violento arranco, a poder de pancadas, embicaram o coche para o lado do palacete, e nele o esbarraram. A lança do carro entrou pelo gradil do jardim que adornava a frente do edifício, e ali ficou a traquitana.

Foi preciso que a criadagem do visconde desembaraçasse o carro e auxiliasse o cocheiro a conduzi-lo.

Esse fato impressionou desagradavelmente a todos que faziam parte do cortejo nupcial, e uma senhora já idosa que entre eles se achava, exclamou aterrorizada:

- "Um carro de enterro parar logo aqui, e isso em dia de casamento!... É mau agouro!..."

* * *

Sem que ninguém pudesse explicar a razão, o festim realizado em casa do visconde correu frio.

Os próprios noivos sentiam-se tristes. O fato de ter parado um carro de enterro à porta do palacete, e naquele dia, roubava a alegria a todos. Como que se adivinhava uma grande desgraça.

E esse mal-estar aumentou quando à meia-noite circulou na sala a notícia de que Matilde, a formosa noiva, tinha repentinamente adoecido.

Logo cessaram as danças. As bandas de música calaram-se, e os convidados foram pouco a pouco retirando-se. Daí a meia hora só se achavam no palacete os parentes e amigos mais íntimos.

Matilde estava realmente doente. Subitamente acometera-a uma violenta dor de cabeça, uma aflição, e dentro de uma hora ardia em febre intensa.

O noivo ficou alucinado. O visconde, já terrivelmente impressionado com o caso do coche fúnebre, despachou criados em todas as direções para chamar médicos, que acudiram pressurosos.

No entanto por mais esforços que empregassem os facultativos, não puderam aniquilar a enfermidade que acometera a inditosa moça. Consumia-se a olhos vistos. No dia seguinte já parecia um cadáver, tão pálida e abatida se achava. No terceiro dia não conhecia mais ninguém. No quarto havia perdido a fala. E na manhã do quinto dia, quando os pássaros começaram a trilhar sobre o arvoredo, cujas ramagens adornavam a janela do seu aposento, a pobre moça exalando um suspiro despediu-se da vida.

Bem dissera a respeitável matrona que fizera parte do cortejo nupcial. O carro fúnebre esbarrando no gradil do palacete fora um mau agouro.

O cadáver de Lúcia, a pobre filha do carpinteiro aleijado, viera chamar para a paz do sepulcro a filha do potentado, do opulento, que tirara um teto a seu pai, em momento de aflição e pobreza. Deus assim o quis. Tanto houve luto no casebre esburacado como no rico solar. Era preciso que o desumano titular também sentisse rasgar-lhe a alma o espinho da dor.
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por Viriato Padilha
Fonte: Jangada Brasil - (Padilha, Viriato. O livro dos fantasmas. Rio de Janeiro, Spiker, 1956)

O som das flautas pré-históricas

Há 24.000 anos, as flautas e gaitas feitas de madeira e pedra produziam um som que lembra o jazz e o blues contemporâneos. A descoberta é do inglês Graeme Lawson, do Levantamento Arqueológico Musical, em Cambridge.

Para achar a escala musical das bandas primitivas, Lawson está analisando a construção das flautas e as marcas microscópicas deixadas pelos dedos sobre elas. Ele encontrou uma estrutura básica semelhante à escala moderna, em que o intervalo entre uma nota e outra tem uma diferença de 5,9% na freqüência do som. De vez em quando aparece uma nota estranha, num intervalo que mais lembra os dos gaitistas escoceses.

O arqueólogo achou também sinais do movimento típico dos jazzistas, de escorregar o dedo sobre os buracos da flauta para mixar duas notas.

Mas por que então a maior parte das flautas foi achada junto com lixo pré-histórico?

Segundo Lawson, é que era muito difícil fazer buracos perfeitos, nas distâncias adequadas. A maior parte da produção era jogada fora.

Fonte: Revista Superinteressante

Porta do paraíso

Um orgulhoso guerreiro chamado Nobushige foi até Hakuin, e perguntou-lhe:

- “Se existe um paraíso e um inferno, onde estão?”

- “Quem é você?” perguntou Hakuin.

- “Eu sou um samurai!”, exclamou o guerreiro.

- “Você, um guerreiro!” riu-se Hakuin.

- “Que espécie de governante teria semelhante guarda? Você parece um pedinte.

Nobushige ficou tão raivoso que começou a desembainhar a espada, mas Hakuin continuou:

- “Então tem uma espada! Ela provavelmente está tão cega que não cortará a minha cabeça…”

O samurai retirou a espada num gesto rápido e avançou pronto para matar, gritanto de ódio.

Nesse momento Hakuin gritou:

- “Acabaram de se abrir as Portas do Inferno!”

Ao ouvir estas palavras, e percebendo a sabedoria do mestre, o samurai guardou a sua espada e fez-lhe uma profunda reverência.

- “Acabaram de se abrir as Portas do Paraíso,” disse suavemente Hakuin.

Fonte: Guia da Família e do Lar. Jan/11

O frio que vem de dentro

Quatro homens ficaram bloqueados numa caverna por uma avalanche de neve. Teriam que esperar até o amanhecer para poderem receber socorro. Cada um deles trazia um pouco de lenha e havia uma pequena fogueira ao redor da qual eles se aqueciam. Se o fogo apagasse, todos morreriam de frio antes que odia clareasse.

Chegou a hora de cada um colocar sua lenha na fogueira. Era a única maneira de sobreviver. O primeiro homem era um rico avarento. Ele estava ali porque esperava receber os juros de uma dívida.

Olhou ao redor e viu um círculo em torno no fogo bruxuleante, um homem da montanha, que trazia sua pobreza no aspecto rude e nas roupas remendadas. Ele fez as contas do valor da sua lenha e enquanto mentalmente sonhava com seu lucro, pensou:

- Eu, dar minha lenha para aquecer um preguiçoso?

O segundo homem era negro. Seus olhos faiscavam de ira e ressentimento. Não havia qualquer sinal de perdão ou mesmo aquela superioridade moral que o sofrimento ensinava. Seu pensamento era muito prático.

- É bem provável que eu precise desta lenha para me defender. Além disso, eu jamais daria minha lenha para salvar aqueles que me oprimem. E guardou suas lenhas.

O terceiro homem era o pobre da montanha. Ele conhecia mais do que os outros os caminhos, os perigos e os segredos da neve. Ele pensou:

- Esta nevasca pode durar vários dias. Vou guardar minha lenha.

O último homem trazia no rosto e nas mãos sinais de uma vida de trabalho. Seu raciocínio era curto e rápido.

- Esta lenha é minha. Custou o meu trabalho. Não darei a ninguém nem mesmo o menor dos meus gravetos.

Com estes pensamentos, os homens permaneceram imóveis. A última brasa da fogueira se cobriu de cinzas e finalmente apagou.

Ao alvorecer, quando os homens do socorro chegaram na caverna encontraram os cadáveres congelados, cada qual segurando um feixe de lenha. Vendo aquele triste quadro, o chefe da equipe disse:

- O frio que os matou não foi o frio de fora, mas o frio de dentro.

Fonte: S.O.S. Dona de Casa / Out/10.