sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Gustavo Barroso

Gustavo Barroso - 1956
Gustavo Barroso (Gustavo Dodt Barroso), jornalista, historiador e folclorista, nasceu em Fortaleza, Ceará, em 29/12/1888, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 3/12/1959.

Concluiu no Rio de Janeiro, em 1911, o curso de direito que iniciara em Fortaleza. Desde muito moço participou  do jornalismo cearense, escrevendo e desenhando. Até os últimos meses de vida, colaborou em revistas, pesquisando temas pouco conhecidos da história, sociologia e folclore.

Foi redator do Jornal do Ceará (Fortaleza) e do Jornal do Comércio (Rio de Janeiro), diretor das revistas cariocas Fon-Fon e Seleta, membro da Academia Brasileira de Letras (1923), do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1932) e organizador e primeiro diretor do Museu Histórico Nacional, de 1922 até a morte. Participou de vários congressos e conferências. 

Sua bibliografia, cerca de 100 volumes, compreende desde antropologia cultural até poesia, romance, conto, fábula, viagens etc. Usou do pseudônimo João do Norte. 

Publicou, entre outras obras, Terra de sol, Rio de Janeiro, 1912; Heróis e bandidos, Rio de Janeiro, 1917; Casa de marimbondos, São Paulo, 1921; Ao som da viola, Rio de Janeiro, 1921 (2 ed. aumentada, Rio de Janeiro, 1949); O sertão e o mundo, Rio de Janeiro, 1923; Através dos folclores, São Paulo, 1927; Almas de lama e de aço, São Paulo, 1930; Mythes, contes et légendes des indiens, Paris, 1930; Aquém da Atlântida, São Paulo, 1931; As colunas do templo, Rio de Janeiro, 1932. 

Fonte: Enciclopédia da Música Brasileira - Art Editora e Publifolha.

O avarento João de Velós

Para não gastar dinheiro, um avarento chamado João de Velós comia somente uma bolacha pela manhã e outra à noite. Assim, reuniu grande fortuna, conseguindo encher duas caixas com moedas de ouro. Tendo-lhe sido proposto um negócio em que devia ganhar muito, foi a uma das caixas e abriu-a, dizendo:

— Caixa, empresta-me três contos de réis.

Deixando-o muito espantado, a caixa respondeu:

— Este dinheiro não é teu, é de João de Velós.

O avarento desconfiou da história. Aquela mágica da caixa pôs-lhe sal na moleira. Resolveu, por segurança, mudar de terra. Passou o dinheiro das caixas para duas barricas e embarcou para fora do país. Na primeira noite da viagem, quando dormia, o mar se encapelou e quase afunda a embarcação. Diante do perigo de naufrágio, para aliviá-la, o capitão mandou lançar às ondas aquelas duas pesadas barricas, cujo conteúdo julgava sem grande valor, pois o dono declarara estarem cheias de chumbo.

As correntes submarinas rolaram-nas até a costa, levando-as a um curral de pesca dum sujeito que, por coincidência, também se chamava João de Velós, o qual as abriu e, sendo muito caridoso e sem ambição, deu todo o ouro de esmola.

O primeiro João de Velós, na manhã seguinte, quando soube o que o capitão fizera, ficou desapontado e furioso. Tomou um escaler e desembarcou no litoral fronteiro ao lugar onde as barricas tinham sido afundadas, procurando-as como louco.

Foi ter, enfim, faminto e esfarrapado, à casa do seu homônimo. Contou-lhe a perda de suas preciosas barricas e o outro não lhe disse que as tinha achado e distribuído o que continham com os pobres. Ouviu-o em silêncio e, penalizado, mandou rechear um pão com moedas de ouro, dando-o ao primeiro João de Velós, quando este se foi embora.

O avarento encontrou no caminho uma comadre do segundo João de Velós que o ia visitar. Ela achou o pão que ele trazia muito fresco e bonito, gabou-o muito e propôs comprá-lo por cinco patacas, pois não queria chegar em casa de seu compadre com as mãos vazias. Levaria, assim, um presentinho. À vista das patacas, o sovina não resistiu e vendeu o pão, ignorando o precioso recheio.

Desta sorte, o João de Velós generoso recebeu de volta suas moedas e o avaro foi, por castigo de Deus, reduzido à miséria.

Este conto é uma como variante bárbara da velha canção portuguesa do sapateiro, que recebeu do rei um bolo com recheio de moedas e dele se não aproveitou, dando razão ao estribilho que repetia:

Ribeiros correm pros rios
E os rios correm pro mar
Quem nasceu para ser pobre
Não lhe vale o trabalhar

No fundo, o conto sertanejo também é parente daquela interessantíssima história de Saad e Saadi, nas Mil e uma noites, com certeza avó da cantiga portuguesa.
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 - Barroso, Gustavo. Ao som da viola (folclore); nova edição correta e aumentada. Rio de Janeiro, 1949, p.511-512.