terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Nossa Sociedade

Faz muitos anos que nos deram de presente "Nossa Sociedade", trabalho caprichado e caprichoso de senhoras que se dedicaram a organizar uma espécie de catálogo, muito bem apresentado, com a relação das pessoas "bem" do nosso Brasil amado, predominando nessa relação gente "bem" do Rio e gente "bem" de São Paulo.

Faz muito tempo, mesmo, que nos deram de presente o "Nossa Sociedade". Foi há bem uns dez anos, tanto que é a primeira edição. Tudo se resume em dar a ficha da pessoa "bem", catalogada entre "solteiros", "casados" e "solteiras", daqui ou dali.

Por exemplo: no setor das "solteiras" podemos encontrar: Mariazinha Pereira — filha de João Pereira e de Dona Maria Pereira — Residência: Rua Mata Cavalo, 35 — Casa de Veraneio: Avenida das Acácias, 25 (Petrópolis) — Telefones: Residência: 34-2020. Veraneio: 0012. Tudo muito legalzinho.

Se Dona Mariazinha Pereira trabalhasse, tinha o telefone e nome do patrão. E se Mariazinha Pereira fosse casada, estaria na lista dos "casados", junto com o nome do marido, mas constando também seu antigo nome de solteira. Há ainda uma lista diplomática extra.

Agora vimos numa vitrina de livraria society (dessas livrarias metidas a francesa, que vende muito bagulho com capa encadernada, mas onde a gente — de vez em quando — acha uma preciosidade que as outras livrarias não têm), vimos, repetimos, a mais recente edição do livro "Nossa Sociedade". É uma edição alguns anos (quase dez) mais nova do que a que nos mandaram, mas está tão desatualizada quanto aquela.

Comparando as duas edições é que pudemos notar o trabalho impressionante que devem ter as senhoras que organizam o livro, para poder atualizar a gente "bem". Vocês podem pensar que estamos exagerando, mas não estamos não. Muito camarada que era "casado" na primeira edição passou a "solteiro" na segunda, para ser novamente "casado" na terceira ou na quarta edição.

Nosso society não cultiva com escala razoável a tradição da residência e, por isto, um fulano podre de chique, que morava num palacete da Rua São Clemente (l.a edição), habita um apartamento da Avenida Atlântica (3.a edição). 0 elegante de 1950, que tinha moradia em Petrópolis com piscina e tudo, é um teso em 1954, já não tendo, portanto, a casa de veraneio, vendida antes de sair a segunda edição, para pagar suas firulas excessivas.

E na lista dos "casados", onde as casadas aparecem com o nome de solteira ao lado do respectivo marido, é que reside a grande dificuldade de atualização do livro. Gente "bem" muda muito e Mme. Fulano de Tal já não é mais, porque voltou pra lista das "solteiras", ou então está na lista dos "casados" ... mas com outro. É muito difícil manter atualizado o livro "Nossa Sociedade”.

Aconselhamos aos interessados a, anualmente, jogar fora a edição antiga e comprar a nova. E mesmo a nova, quando consultada, que o seja com cautela.
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Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.

Um contista sexy

A sede de revistas que, de uns tempos para cá, vinha entortando a mentalidade de mocinhas suscetíveis de minhoca na cabeça deve estar saciada. Tem revistinha pra cachorro nas bancas. E cada uma com nome mais bonito: "Querida", "Sedução", "Intimidade", "Capricho", "Sétimo Céu", "Destino", e por aí a fora.

As tais fotonovelas, em que estão sendo usados galãs frustrados do cinema nacional (não menos frustrado, olé), são bárbaras. A mocinha é pobre, o rapaz namora uma granfa. No fim a granfa entra bem e na última fotografia a mocinha pobre está pendurada no beijo do galã frustrado.

Tem um monte de mocinhas que não perde uma dessas revistas editadas pelos maiores sexy relations da imprensa autóctone. Lê a fotonovela (lê, não. Espia, porque é história em quadrinho com fotografias) de cima a baixo e fica tinindo. Os contos também são ótimos, mas têm uma ilustração só. Ou é uma cara de mulher desesperada, ou é um beijo diabólico, que encima o título do conto. O título também é legal: "Eu amava o meu primo", "Minha vida era Geraldo", "Casei-me com um hipócrita", "Fuga para o encanto" e outros que tais.

Como, minha senhora? Quem são os autores?

Varia muito, madame. Geralmente são nomes de "escritoras" americanas: Nancy Gilbert, Dothy Longfellow, May Taylor. Mas é tudo de araque. Os autores são "nós mesmo" — como diz o Al Neto. Isto é, rapaziada daqui mesmo, que escreve a coisa como se tivesse acontecido em Las Vegas, Califórnia ou Londres, mas tudo foi imaginado e datilografado à noite, num modesto apartamento do Méier.

E o conto, vendido à razão de uma abóbora, quando muito, sempre ajuda a faturar a quinzena. Stanislaw tem um amigo que é especialista em contos de amor para as revistas dos sexy relations. Ele faz o mesmo conto sempre, mas tem o cuidado de mudar os nomes dos personagens e dos lugares onde acontecem os beijos ou as bolachas, assim como o título, naturalmente. Depois assina Lillian Clark, ou Jane Underwood, ou mesmo Joan L. Macmillan e vai vender na redação. Sempre dá pro feijão.

Agora, bom mesmo é escolher título para fotonovela ou para os contos de amor. Ele telefona e pergunta :

— Stan, que tal "Aconteceu nas Bermudas"?

— Fraco — respondemos.

E depois queremos saber quais foram as modificações introduzidas no conto. Ele explica que é tudo naquela base e então propomos:

— Que tal "Beijo de fogo em noite de frio"?

Aí, ou o "escritor" exulta do lado de lá, ou responde enfático:

— Esse nome eu já usei ontem.

E assim vamos vendo as possibilidades, até que chega o título ideal. Mas o que foi ótimo mesmo foi quando — na semana passada — um sexy relations mandou perguntar se Stanislaw não queria escrever alguns contos no referido estilo, com o pseudônimo de Brigitte Sagan. E antes que recusássemos, prometeu dez abobrinhas por cada imbecilidade.

Aceitamos.

Somos — atualmente — o entorta-dor de mentalidade feminina mais bem pago da imprensa sexy.

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Fonte: Tia Zulmira e Eu - Stanislaw Ponte Preta - 6.ª edição - Ilustrado por Jaguar - EDITORA CIVILIZAÇÃO BRASILEIRA S.A.