quinta-feira, 12 de maio de 2016

A Origem dos Mitos sobre Gatos Pretos


“Para se transformar num mago, você deve amarrar um gato preto e jogá-lo vivo dentro de uma panela de água fervente. Deixe-o cozinhar até que a pele descole totalmente dos ossos.” - Infâmia localizada na internet.

A história de vida do gato preto é impressionante. Adorado por uns, sacrificado por outros, o gato preto sobreviveu a tudo apenas para reclamar o lugar que mais gosta de ocupar: um lugar quente, junto à janela.

As superstições acerca dos gatos nasceram desde cedo. Um dos primeiros povos a atribuir uma aura mística ao gato foram os egípcios que o idolatravam, tendo mesmo um Deus com a sua forma física, Bast. Em honra desta divindade, os egípcios mantinham gatos pretos em casa e davam-lhes honras reservadas a faraós, mumificando-os depois de mortos.

Mas foi na Idade Média que o gato viu a sua sorte mudar. Apesar de prestarem um importante serviço ao homem, caçando os ratos que eram considerados uma praga, a verdade é que havia uma legião de gatos vadios que faziam das cidades o seu território. A superpopulação terá sido o primeiro motivo pelo qual o gato deixou de cair em graça para passar a cair em desgraça.

A Idade Média ficou marcada pela superstição, bruxaria e febre religiosa. O gato, como animal independente e solitário, captou a atenção tanto de pagãos como cristãos.

No paganismo, o gato representa sabedoria e proteção, mas na magia negra, o gato preto macho personifica o diabo. No tarot, no baralho de Rider Waite , a Rainha de Paus é representada com um gato preto aos seus pés, significando energia instintiva, mas domesticada.

O gato é um animal que caça durante a noite e era na Idade Média acolhido por pessoas solitárias. Os gatos vadios eram os animais de estimação de mendigos e pobres, o que não abonou em relação à imagem do gato. Os olhos penetrantes que iluminam as noites contribuíram provavelmente para a catalogação do gato como espírito demoníaco. A cor preta era a cor das trevas e do mal, o que tornou os gatos desta pelagem os mais perseguidos pelos cristão e inquisidores. A sua associação às práticas pagãs, apenas provocou um maior distanciamento entre os cristãos e o gato. O facto de o gato ser muitas vezes sacrificado em rituais pagãos tornou-o num símbolo a combater.

Depressa começaram a surgir histórias que ligavam os gatos à bruxaria. Reza a lenda que por volta de 1560, em Linconshire, filho e pai foram assuntados por um gato preto que lhes cruzou à frente. O animal mancava e tinha vários arranhões e dirigiu-se para a casa de uma mulher que os habitantes da região suspeitavam que fosse bruxa. No dia seguinte, a mulher apareceu com uma ligadura no braço e tinha passado a mancar.

Outra história relatada conta que um agricultor cortou a orelha de um gato durante a noite. O homem acreditava que o gato estava assombrando a sua propriedade. No dia seguinte, o agricultor regressou ao local e encontrou parte da orelha de um humano. Na Alemanha, as histórias sobre a dualidade bruxa/gato preto são comuns. Uma mulher após ter sido acusada de bruxaria e condenada à fogueira, transformou-se em gato preto enquanto ardia. Foi assim que surgiu o mito de que as bruxas se transformam em gatos pretos durante a noite. É foi também desta forma que se encontrou justificação para perseguir estes animais.

Em paralelo com as lendas surgem também outros fatos históricos que na altura serviam de base de sustentação a muitas superstições. O Rei Carlos I de Inglaterra tinha um gato preto. O monarca acreditava que o seu gato lhe trazia sorte. Coincidência ou não, o gato morreu um dia antes de o Carlos I ter sido preso por Oliver Crommwell. O monarca foi acusado de traição e mais tarde decapitado.

Surpreendentemente, o gato preto sobreviveu a décadas, se não séculos de perseguição. A sua pelagem negra, pela qual era perseguido, era também uma vantagem quando caçava à noite, fundindo-se com a escuridão. Naquele tempo, não faltava alimento para os gatos, uma vez que os ratos abundavam pelas cidades e campos.

Pela altura do Renascimento, a Igreja Católica tinha já abrandado a caça aos hereges. Esta foi uma boa notícia para o gato por duas razões: por um lado os cristãos tinham conseguido reduzir a prática do sacrifício de animais, e em particular dos gatos com pelagem preta e por outro, deixaram de ser perseguidos pelos próprios cristãos.

Mas, da Idade Média resistiram as superstições profundamente enraizadas na cultura popular. Apesar de em alguns países ser mais comum associar o gato preto a um mau presságio, são várias as superstições que lhe são favoráveis em outros.


sexta-feira, 8 de abril de 2016

Gatos "Católicos" Enforcados


A ignorância humana, da qual nos ocupamos agora aqui, é a da "Grande Renascença" na Europa do século XVI, a "tal Reforma", quando os protestantes usaram gatos, bichanos enfeitados com vestimentas de bispos católicos e os enforcavam.

Quando em 1517 Martin Luther pregou suas 95 teses na porta da igreja do Castelo de Wittenberg, um movimento de reforma surgiu, o protestantismo. Os gatos, de alguma forma, "representantes" do catolicismo, e sempre vítimas do abuso do homem, tornaram-se um símbolo chave para os protestos de ingleses reformistas. Muitas vezes os gatos representavam sacerdotes e clérigos, como em um episódio terrível que envolveu a crueldade ocorrida em Cheape, Inglaterra, como nos conta uma crônica do tempo:

"Em 08 de abril, sendo então domingo, um gato vestido com um traje de clérigo católico, com suas patas dianteiras amarradas, foi enforcado em Cheape, perto da cruz na freguesia de São Mateus" (Stow Chronicle p. 623 notas de rodapé, Jardine, 1847, p.46 ).

Os protestantes também queimaram efígies do papa recheadas com gatos vivos que, coitados, gritavam de dor e espanto, que agradavam demais as multidões loucas.

Então, nós éramos representantes da Igreja Católica? A mesma religião que nos dizimou na época daquele papa Gregório IX em 1227?

Faz favor! Até no Carnaval, todos os anos, a gente se esconde pra não virar couro de tamborim ... Humanos?


Fonte: Cats in the Reformation

sexta-feira, 1 de abril de 2016

O Moleque Festeiro


Na encosta de uma serra muito alta e a pique, de Santa Maria de Taguatinga, entre barrocas e cardos, morava um homem muito rico e mau, que fizera voto de entoar uma ladainha, todas as noites pela passagem de São João.

Eram verdadeiras festas, muito concorridas, em que o pecado das danças livres excedia à devoção religiosa. O homem residia só e jamais conhecera os carinhos de uma esposa ou a alegria do sorriso de um filho …

Como companheiro tinha apenas um molecote, um cão e um gato preto. O menino era o emissário perpétuo por quem mandava os convites para as festas de São João. Era só nessa ocasião que abria a bolsa e deixava os patacões correrem a mãos cheias; nos outros dias não aliviava a lágrima de um pobre ou de uma viúva necessitada.

Certa vez, o pequeno mestiço partiu em busca dos convivas e voltou só: ninguém o acompanhara. As casas dos amigos estavam fechadas e ninguém respondera a seu chamamento.

O homem indignou-se e disse ao menino que fosse buscar quem quer que fosse, rico ou pobre, até mesmo o Pé-de-Garrafa, se o encontrasse. Era imprescindível o cumprimento do voto. No caminho apareceu um cavaleiro elegante, muito bem vestido, tinha esporas de prata e estava em traje de festa.

Ao convite do emissário do homem rico, respondeu afirmativamente e acompanhou-o ao sítio das barrocas e dos cardos. Era um só convidado, porém a festa começou logo.

Depois da ladainha dançou muito, fazendo tinir as esporas, que tiravam fogo no assoalho. Nunca o homem rico e miserável vira um convidado assim: só ele enchia a sala, devorava todos os manjares e dançava por uma súcia inteira. Acabada a festa, o cavalheiro misterioso convidou o homem rico para uma festa em seu palácio e desapareceu, quando a aurora vinha raiando.

Um mês depois um pajem veio buscar o homem rico para a festa do dançador misterioso do São João. Os olhos do homem rico foram vendados e os dois se puseram a caminho. Chegariam à meia-noite. O palácio do anfitrião não era longe de Santa Maria de Taguatinga. Barrancos e valados, brenhas e barrocais, matas e tabuleiros transpuseram os dois caminhantes.

Afinal chegaram, a venda caiu e uma elegante habitação maravilhou o hóspede da casa da encosta ao sopé da serra da Taguatinga.

Atravessado o pórtico dourado, penetraram em um grande salão e ali, maliciosamente, estavam enfileirados os vestidos curtos e os sapatinhos de salto alto de Formosa, as impudicas "toilettes" da Baía e os "maillots" cariocas. Noutra sala o homem rico viu uma porção de cavalheiros conhecidos: o Cel. F. F., o Major C. B. e Sr. H. M., etc., etc., pessoas há muito falecidas. Um cheiro de enxofre espalhou-se neste momento, por todo o palácio …

E o homem rico compreendeu tudo:

Estava no palácio do diabo …



I. G. Americano do Brasil: Lendas e Encantamentos do Sertão. - Edições e Publicações Brasil, São Paulo, 1938, pp. 49-50. - Fonte: Estórias e Lendas de Goiás e Mato Grosso. Seleção de Regina Lacerda. Desenhos de J. Lanzelotti. Ed. Literat. 1962.

quinta-feira, 31 de março de 2016

Gato Preto Atravessando na sua Frente


Na Europa medieval os gatos tinham má reputação, pois eram associados com bruxas e hereges, e acreditava-se que o diabo poderia se transformar em um gato preto (Socorro! Sou um pobre gato preto). Em seu artigo “Heretical Cats: Animal Symbolism in Religious Discourse” (Gatos Heréticos: Simbolismo Animal no Discurso Religioso), Irina Metzler analisa a forma de como este ponto de vista sobre os felinos surgiu. 

Assim discorre o artigo, do qual traduzo, adaptando, livremente do meu jeito, algumas partes:

Os gatos tiveram um papel muito importante para os seres humanos na Idade Média: eles caçavam ratos, evitando um sério incômodo para as pessoas, que naquela época, não tinham o mínimo conceito de higiene, e preservando alimentos estocados. No entanto, alguns escritores medievais ainda viam essa atividade em tons negativos, muitas vezes comparando a forma de como eles capturavam ratos com a forma de como o diabo poderia capturar as almas das pessoas.

Por volta do século XII, essa associação com o diabo se tornou ainda mais arraigada. Por volta de 1180, Walter Map explicava em uma de suas obras que, durante rituais satânicos "o diabo desce como um gato preto diante de seus devotos. Os adoradores apagam a luz e se aproximam do lugar de onde viram o seu mestre. Sentam-se atrás dele e quando este levanta sua cauda, começam a beijar o local debaixo desta" (esse gatinho morrendo de rir ...).

Grupos religiosos heréticos, como os cátaros e valdenses, foram acusados por clérigos católicos de se associarem e até mesmo adorarem gatos. Quando os Templários foram levados a julgamento no começo do século XIV, uma das acusações contra eles foi que permitiam que gatos fizessem o seu papel na rotina dos seus serviços e até mesmo "rezavam" por seus felinos diabólicos de estimação. A grande maioria foi chacinada ou mesma julgada e queimada junto com os bichanos.

As mulheres, muitas das quais camponesas (quase todas com um gatinho lindo, negro, como eu), que praticavam curas com ervas em enfermos de algumas vilas, coisa tradicional, arraigada, passada por gerações, muitas descendentes do povo celta, eram "bruxas" nas cabecinhas infelizes de muitos cléricos da santinha inquisição e também foram acusadas de se transformarem em forma de gatos, o que levou o Papa Inocêncio VIII (Lembram-se dessa criatura?) declarar em 1484 que "o gato era o animal do diabo e o ídolo favorito de todas as bruxas."

Nem todos os europeus medievais odiavam os gatos. Há muitos relatos de gatos sendo mantidos como animais de estimação, incluindo freiras. Além disso, os muçulmanos medievais gostavam muito de gatos. Afinal de contas, o Islã sugere que o Profeta Maomé e outros representantes dessa religião gostavam de gatos e os tratavam muito bem. Talvez a limpeza desses animais era altamente atraente para os muçulmanos.

Nas cidades medievais do Oriente Médio você poderia mesmo encontrar instituições de caridade que cuidavam de gatos de rua (peleques que nem eu... eh eh eh eh). Um peregrino europeu que viajou para o Oriente Médio ainda observou que entre as diferenças entre muçulmanos e cristãos era que "Eles gostam de gatos, enquanto nós gostamos de cães".

Artigo traduzido, adaptado, porém não modificado no seu sentido. Estou publicando aqui, nesse meu blog quase extinto, esquecido.

Dedico à Nakano Aline, pelo seu amor aos gatos. Beijos felinos!


Fontes: Mediavalists.Net.