quarta-feira, 7 de março de 2012

O piedoso sacerdote

Depois de conversar com o diretor do xadrez sobre a necessidade de melhorar as instalações e de ouvir deste a desculpa de que não tinha verba para tais coisas, o piedoso sacerdote comprometeu-se a conversar com o secretário do Sr. Ademar de Barros, "que é muito amigo de minha família" — explicou o padre.

Não sei se esse secretário é o Sr. Artur Audrá ou desce, pois a notícia não diz.

Diz, isto sim, que o sacerdote que visitou a cadeia, conversou — momentos antes de encerrar a visita — com um detento, no corredor, dando conselhos ao rapaz e ministrando-lhe palavras de conforto.

Depois, agradeceu as informações que lhe deram, declarou-se satisfeito com o que vira, "pois há prisões que visitei de instalações estarrecedoras" — voltou a falar, acrescentando: "Aqui, pelo menos, somente algumas reformas colocarão esta casa correcional num nível cristão".

À saída, o bom padre parou de novo, fez algumas perguntas aos guardas e ofereceu um santinho a um deles, que lhe pareceu mais contrito diante da sua bondosa presença.

Ao deixar as instalações que acabava de visitar, o religioso voltou-se para abençoá-las. Entrou num carro e partiu logo em seguida, deixando um sorriso de fervor, pendurado nos lábios de guardas e detentos, os quais de forma tão amena confortara.

Meia hora depois veio o alarma: José Cardoso Guerra, perigoso assaltante a mão armada, fugira da cela onde se encontrava (aparentemente incomunicável) vestindo uma batina de procedência ignorada.

Comentário do chefe da guarda, que se encontrava de plantão à entrada da penitenciária:

— E ele ainda me abençoou e prometeu rezar para eu ficar bom do reumatismo!
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975

Operação pneu

A frase, cheia de sinceridade, é atribuída ao Padre Olímpio de Melo, que acumula as funções de Ministro de Deus e do Tribunal de Contas. Consta que o piedoso sacerdote é que disse isto, uma vez: "Uma mulher bem administrada vale mais que uma paróquia".

Eu nunca tive paróquia, mas — modéstia à parte — vinha com uma mulher. Vinha no meu modesto carrinho ali pela Praia de Botafogo, com uma mocinha dessas que, quando passam, a conversa dos homens vai diminuindo, vai diminuindo e depois que a moça passa fica tudo calado, pensando besteira.

Pois era uma mocinha assim que vinha comigo ali pela Praia de Botafogo e, quando entramos na Rua São Clemente, rumo ao Jardim Botânico, o pneu do carro furou. Também o desgraçado estava mais careca do que o Marechal Mendes de Morais. Fazia muito sol, irmãos. Este mês de março, aqui no Rio, eu vou te contar, está queimando a pele até do Monsueto.

E eu ali, de pneu furado, com o asfalto da Rua S. Clemente um bocado inclemente, a derreter quente sob os meus borzeguins. Mudar pneu de carro numa hora dessas é de lascar. E foi então que, olhando para a mocinha, solidária comigo na tristeza do imprevisto, eu me lembrei da frase do Padre Olímpio: uma mulher bem administrada vale mais que uma paróquia.

Combinei o golpe com ela, a mocinha topou e eu fui sentar num café em frente, para tomar uma cerveja. Ela saltou do carro, abaixou-se junto à roda de pneu furado e ficou olhando pra dita, desconsolada. Logo parou um carro e saltou um rapaz. Olhou a roda, falou qualquer coisa com ela e eu vi — lá do café — ela concordando com ele, num gesto.

O rapaz tirou o paletó e estava abrindo a mala do carro para retirar o macaco, quando dois outros rapazes, ambos altos e espadaúdos, atravessaram a rua, falaram também com a mocinha e começaram a ajudar o que chegara primeiro. O pneu sobressalente ainda não tinha sido retirado da mala para substituir o furado, e já havia mais um cavalheiro solícito, ajudando.

Para encurtar a conversa, enquanto eu bebi a cervejinha, cinco rapazes muito bonzinhos, todos sorridentes e solícitos, mudaram o pneu do carro, puseram o que estava furado na mala, ajeitaram as ferramentas e ainda indicaram à mocinha onde ficava o borracheiro mais próximo. Ela agradeceu muito, fez menção de entrar no carro e eu então paguei a cerveja, vim também, sentei na direção e fomos embora.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975