segunda-feira, 31 de outubro de 2011

História da grande carneirada

Era uma vez um moço muito bonito, bonito mesmo. Olhos azuis, cabelos louros, rosto de anjo, corpo gracioso, rico e que tinha carneiros que era um despropósito.

Um dia estava ele nos altos, bem nos altos de um grande morro, maior do que ali o nosso morro da Cruz, quando, olhando pra longe, viu que vinha uma nuvem grande e preta feito tinta.

— Virge Nossa Senhora!... — gritou ele. — Lá evem uma tempestade dos diabos!

Desceu, correndo, do morro, assoviou os cães de guarda, tocou a carneirada pela estrada larga e chegou numa ponte que tinha de atravessar. A ponte era comprida como daqui até lá na venda de sô Zé Havera. Mas no diabo da tal ponte os carneiros só podiam passar numa só fila: um atrás do outro, de tão estreita que ela era. Pois bem. O moço botô um cão na frente e, atrás dele, um carneirão guia e foi tangendo e gritando da entrada da ponte:

— Cá... cá... cá... anda, Brinquinho!... anda, Rola!... Eh! Eh! Vamo, carneirada!...

Mas não é que o diabo do cachorro que ia na frente, parou no meio da ponte, assentou-se e começou a se coçar feito um danado? E a carneirada nada de poder passar...

O moço, aí, gritou para o cachorro:

— Anda, Valente... cachorro dos diabo!

Mas qual o quê? O cachorro não ouviu nada com o barulho do rio...

Neste momento, o contador calou-se, tirou um toco de cigarro de palha que estava entre a orelha e a cabeça, bateu a binga e ficou fumando bem quieto de seu.

— Continua, seu Moreira. — pediu um dos meninos.

— Lá vai, gente. Agora é que o cachorro de levantou. Lá vai ele, o carneirão e aquela fila comprida de carneiro... tudo branquinho... bonito mesmo!

Nova e longa pausa do contador.

— Seu Moreira!... Seu Moreira!... — arriscou timidamente outro dos pequenos ouvintes — faz de conta que já passou tudo. Os carneiros estão todos do outro lado. E agora?

— Não, — diz o Moreira, — assim não serve. História é história. Deixa os carneiros passar devagar... E, olha, vocês não ficam falando muito não que agora mesmo vocês espantam eles e eles caem na água, se espalham e vai ser um Deus nos acuda para ajuntar tudo outra vez.
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- Extraída do artigo de Levi Braga, "Contos de burla". Província de São Pedro, nº 11, março-junho de 1945 - Fonte: Jangada Brasil.

História de João Grilo

Era uma vez um moço muito preguiçoso, por nome João Grilo, casado de novo, mas não queria trabalhar. A mulher apertou com ele, que precisava ganhar mais, pois eles viviam de alugar o pasto para os tropeiros, naquele tempo, a vintém por cabeça, ché! o que dava?

João Grilo pensou, pensou e falou:

— Vou ser adivinhador!

Pegou três cavalos, dos melhores, que estavam de pouso, levou para o meio do matão e escondeu bem.

Os tropeiros, no outro dia, procuraram que procuraram, nada de encontrarem os cavalos. João Grilo propôs a eles adivinhar onde estavam os cavalos. Aceitaram. Arranjou um pouco de cinza e traçou, traçou no terreiro, fez umas historiadas e disse:

— Estão em tal e tal lugar, uma picada às direitas da estrada larga, no matão. Os tropeiros voltaram contentes com os cavalos e deram uma boa gratificação a João Grilo.

Ele foi se mostrar à mulher:

— Eu não disse que arranjava o dinheiro?

Depois mandou escrever um letreiro em cima da porta de sua casa: João Grilo, adivinhador.

Foram contar pro rei. O rei mandou buscar  tal para o palácio e fazer a ele umas perguntas.

Se não respondesse, a cabeça dele voava pelos ares.

Fechou uma porca num quarto e mandou que ele adivinhasse. João Grilo se viu perdido, coçou a cabeça e falou:

— Agora é que a porca torce o rabo.

O rei gostou muito, pegou um grilo e fechou a mão.

— Me diga, então, o que é que eu tenho na mão?

O nosso homem lida que lida, viu que não podia adivinhar e respondeu:

— João Grilo está perdido!

O rei gostou.

Depois, sua majestade mandou encher de fezes uma tigela (com perdão da palavra!) e pôr na mesa no meio de outros pratos. Perguntou o que era.

João Grilo nada de adivinhar. Só pôde mesmo dizer:

— Bem, minha mãe me dizia que as minhas adivinhações iam dar em fezes!

Foi perdoado e saiu muito contente.
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Em Brandão, Téo. Seis contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Folclore; Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 1982, p.59. - Fonte: Jangada Brasil.

A idade certa para fazer academia

"Exercícios aeróbicos, como bicicleta, esteira e natação, têm sinal verde em qualquer idade”, diz Dalton Müller, professor de educação física da Universidade Estadual Paulista em Bauru. Mas há restrições para prática da musculação.

“Mulheres podem começar aos 16 anos, quando em geral param de crescer, e os meninos, só depois dos 18", completa. Antes disso, nem pense em hipertrofiar os músculos.

O máximo permitido são exercícios de força individualizados e sempre com pesos bem leves. Caso contrário, o desenvolvimento fica comprometido.

Fonte: Revista Saúde é Vital. Ago/06

domingo, 30 de outubro de 2011

Toque de Midas

O rosto do rei Midas, reconstituído.
Arqueólogos ingleses, depois de 2.700 anos, conseguiram reconstruir o rosto do rei Midas, aquele que segundo a lenda transformava em ouro tudo que tocasse.

Midas, que governou de 738 a 696 a.C., foi o mais importante monarca dos frígios, povo que dominou a Ásia Menor entre os séculos XII e VII a.C.

O seu crânio foi encontrado na Turquia em 1957 e desde então ficou esquecido. Mas, com base nesse crânio, por sinal em péssimo estado, os pesquisadores - em especial o médico forense Richard Neave, um artista mundialmente conhecido por seu trabalho de reconstituição facial -, em 1989, conseguiram a proeza de refazer a face do rei.

Injetando produtos químicos nos ossos para endurecê-los e usando os mesmos materiais que os dentistas empregam em seus moldes, os cientistas obtiveram uma máscara perfeita, com a qual esculpiram o rosto de Midas.

As técnicas usadas pelos arqueólogos acabaram servindo também a uma finalidade insuspeitada - reconstituir rostos não identificados e assim resolver crimes considerados insolúveis. Graças a isso, a polícia inglesa pôde descobrir a quem pertencia o crânio encontrado num jardim em 1969: era de uma mulher que havia sido assassinada.

Fontes: Revista Superinteressante - Fevereiro de 1989; Isto É - 24/11/2004.

sábado, 29 de outubro de 2011

Luizão, o brasileiro pré-histórico

Morreu jovem, ele devia ter no máximo 18 anos. Forte, ágil e musculoso, tinha traços suaves, quase andróginos. Esse brasileiro pré-histórico, apelidado de “Luizão”, viveu há 8.500 anos. Fazia parte da primeira família humana a povoar o Brasil Central, 11.500 anos atrás. Seu povo morava em abrigos rochosos que existem às centenas na bacia do rio das Velhas, em Minas Gerais. Eles viviam entre matas e cerrados nos últimos milênios da Era do Gelo, e enfrentavam um clima bem mais seco e frio do que o atual.

Ninguém sabe como “Luizão” morreu. Pode ter sido de doença, acidente, numa luta contra tribos inimigas, ou vítima das longas presas curvas de um tigre dentes-de-sabre. A vida desses pioneiros era um risco constante, poucos ultrapassavam os 30 anos. O jovem caçador não teve essa sorte. Quando morreu, seus ossos descansaram ao lado das paredes rochosas e, com o passar dos anos, ficaram esquecidos.

O clima se alterou drasticamente. Os lagos secaram, as florestas sumiram, mastodontes, preguiças, ursos, lhamas e tatus gigantes desapareceram do planeta, e até o povo de Lagoa Santa, como ficou conhecido por 160 anos de pesquisas arqueológicas, desapareceu quase por completo.

A história do brasileiro pré-histórico, a quem os cientistas chamam de “HW-04”, enfim começa a ser recontada. Tudo começou na década de 1930, quando o cônsul britânico Harold Walter, arqueólogo nas horas vagas, decidiu escavar cavernas de Lagoa Santa, vilarejo em Minas Gerais que ficou famoso em 1844, quando o naturalista dinamarquês Peter Lund revelou ao mundo os esqueletos e milhares de fósseis de uma incrível fauna extinta. Durante duas décadas, o cônsul britânico reuniu uma coleção com dezenas de esqueletos humanos, entre eles o crânio de “Luizão”. Seus restos ficaram guardados no Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

As coisas começaram a mudar em 1998, quando o antropólogo mineiro Walter Neves, coordenador do Laboratório de Estudos Evolutivos da Universidade de São Paulo (USP), analisou e mediu a coleção de 81 crânios. Sua intenção era reunir evidências para provar a tese de que os primeiros habitantes de Minas Gerais tinham traços negróides, bem diferentes dos índios atuais, e muito parecidos com os dos aborígines australianos e dos africanos de hoje. Entre os diversos crânios, ele selecionou um em excelentes condições. Fez uma réplica em resina e enviou a Manchester, na Inglaterra, para o médico forense Richard Neave, um artista mundialmente conhecido por seu trabalho de reconstituição facial.

O inglês Neave se surpreendeu com o estudo dos crânios de Lagoa Santa. Por isso, aceitou fazer de graça o molde do rosto de “Luizão”, junto da assistente Denise Smith. Seu trabalho consumiu um ano e pode representar uma pá de cal na teoria da ocupação do continente americano. “Essa tese se apóia em dados estatísticos e em evidências científicas e pode colocar de cabeça para baixo todo o pensamento convencional”, diz. A repercussão política promete ser grande e envolve a discussão sobre os verdadeiros donos da terra que aqui viviam antes da chegada dos colonizadores europeus. “Essa nova teoria brasileira é fascinante, provocativa e tem um poder explosivo incrível”, afirma Neave.

O retrato do caçador de Lagoa Santa ficou pronto, e a beleza dos traços de “Luizão” é tamanha que joga para segundo plano o fato de haver poucas informações sobre ele. A precariedade dos registros de Harold Walter está no fato de as escavações terem sido realizadas antes de 1950, quando foi inventada a datação pelo método carbono-14.

Mama África – A reconstituição facial de “Luizão” serve como uma luva para evidenciar a teoria do povoamento do Novo Mundo formulada em 1989 por Walter Neves e pelo argentino Héctor Pucciarelli. Ao tomar as medidas de diversos crânios sul-americanos com mais de 8 mil anos, eles constataram que não podiam pertencer a índios descendentes de asiáticos, mas de negróides. Daí para lançar a idéia de que os primeiros humanos modernos a adentrar o continente americano teriam traços de africanos e de aborígines australianos foi um pulo.

Sabe-se que nossa espécie, o Homo sapiens, evoluiu na África e de lá saiu para povoar todos os continentes. A segunda leva migratória dos humanos modernos teria bordejado a costa do oceano Índico e cruzado o Sudeste Asiático até desembocar na Indonésia e na Austrália, há pelo menos 40 mil anos. Os aborígines australianos e da Nova Guiné, ambos negros retintos, são ancestrais diretos desses pioneiros. Para Neves e Pucciarelli, a onda migratória não parou por aí. Se alguns grupos humanos que estavam na Ásia resolveram tomar a rota Sul, em direção à Oceania, outros preferiram bordejar o Pacífico, na direção Norte-Nordeste, passando ao largo da Sibéria para atravessar o estreito de Bering e invadir o Alasca – milhares de anos antes de o primeiro siberiano com traços mongolóides refazer a rota.

Como todos os índios americanos têm traços mongolóides, resta a dúvida de qual fim levaram os primeiros povos aborígines do Novo Mundo. Há três possibilidades. Eles podem ter morrido sem deixar descendentes, vitimados pelas flutuações climáticas. De acordo com Walter Neves, que coordena desde 2000 um projeto nas grutas de Lagoa Santa com patrocínio da Fapesp, o povo de “Luizão” habitou o vale do rio das Velhas num período em que o clima era mais úmido e agradável. A partir de 7.500 anos atrás, no entanto, o ressecamento causou um abandono quase completo do local. Isso explicaria o fato de a região ter experimentado um esvaziamento populacional, apenas revertido a partir de 4 mil anos atrás, quando o clima assumiu suas condições atuais.

Outra explicação para o desaparecimento dos homens de Lagoa Santa é terem sido mortos pelos mongolóides recém-chegados, que já dispunham de arco e flecha. Há uma terceira hipótese, a de uma nova migração de siberianos dotados de tecnologia superior.

Fonte: Isto É - 24/11/2004.

Discussão por acenos

Era uma vez um sábio muito arrogante de sua inteligência e cultura e que estava convencido do sol nascer todas as manhãs exclusivamente para o seu serviço intelectual.

Foi a uma cidade próxima e desafiou todos os literatos do lugar para uma discussão pública. Queria mostrar que somente ele sabia o que todos ignoravam.

Num colégio de padres os professores ficaram atarantados com o desafio e tristes com a impossibilidade de aceitá-lo. Demais a mais, o sábio declarara disputar sem palavras, por mímica, apenas agitando as mãos e pondo posições aos dedos. Quem ia enfrentar uma maravilha destas?

Pois, senhores, um criado dos padres, labrego finório, analfabeto e ladino, foi-se oferecer para discutir com o sábio. Os padres tentaram dissuadi-lo mas como teimasse, vestiram-no decentemente, esperando apenas a desgraça do atrevido.

Multidão, autoridades, jornalistas, devotos de novidades, basbaques, gente com o foguete na mão para gloriar o intruso mal educado. Frente a frente, em duas tribunas de mogno, os antagonistas. O sábio e o criado dos padres.

O sábio olha o adversário e, lentamente, estende o dedo indicador, como se admoestasse. Vai o labrego e estira os dois dedos. Pasmo do sábio. Balança a cabeça aprobativamente. Estira três dedos, em garfo, no ar. O criado, de cara feia, cerra o punho e exibe-o como se fosse lutar. O sábio saúda-o. Mete a mão na túnica de veludo e mostra uma maçã. O criado retira do bolso um pão e agita-o, como respondendo. O sábio cumprimenta, desce da tribuna e declara que seu antagonista respondera muitíssimo bem às questões apresentadas.

— Quais foram essas questões, mestre? — perguntam todos.

— Mostrei um dedo! Deus é uno. Respondeu-me com os dois que tinha duas pessoas distintas. Retruquei serem três, fechou o punho mostrando-me a unidade da divindade trina. Mostrei-lhe a maçã com que Eva se perdeu. Mostrou-me o pão com que Cristo salvou a todo nós...

No colégio, cercado de agrados e festas, o criado explicava ao seu modo, a polêmica.

— Imaginem que aquele doido ameaçou-me furar um olho com o dedo. Mostrei que tinha dois dedos para vazar-lhe os dois olhos. Botou os três para riscar-me a cara. Faço com a mão para dar-lhe um bom murro. Aí o homem amansou e ofereceu-me uma maçã. Mostrei-lhe o pão para provar que não precisava do presente. Não fez mais nada, desceu e veio abraçar-me. É doido varrido!...

É uma história bem antiga. Já estava escrita há seiscentos anos quase. Vem da Idade Média espanhola, de um dos mais vivos, sugestivos e pitorescos espíritos da época. João Ruís, Arcipresta de Hita, arcebispado de Toledo, nasceu em 1283 e faleceu em 1350. Há dele apenas um volume de versos, histórias e exemplos, Libro de buen amor, muito reeditado. A minha edição argentina da Espasa Caipe, Buenos Aires, 1945. Ouviu ao povo ou há gente impressa?

Esta disputa do sábio com o rústico está às páginas 20-21.

Os gregos, conta o Arcipreste de Hita, disseram aos romanos que ensinariam suas leis depois de uma discussão por sinais. Mandassem uma delegação para o desafio. Vestiram um malandro de Roma e mandaram-no para a Grécia.

O grego mostrou ao romano o polegar. O romano mostrou três dedos, o polegar sobre o indicador e o médio. O grego mostrou a mão aberta. O romano, o punho fechado. Nada mais. Tradução do grego: Deus é uno. Mas em três distintas pessoas. Tem tudo à sua vontade divina. Porque tinha poder para criar e castigar (punho fechado). Tradução do romano: Um dedo para um olho, dois dedos para os dois olhos e o polegar para machucar-lhe os dentes. Daria uma palmada. Responderia com um murro.

Falta, como se vê, a exibição dos alimentos. Mas em resumo, a história era popular em Espanha quase dois séculos antes do Brasil ser encontrado...
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Luís da Câmara Cascudo
Cascudo, Luís da Câmara. "Discussão por acenos". Tribuna de Petrópolis. 31 de dezembro de 1949.

Amansando a mulher

Um rapaz enamorou-se de uma menina muito bonita e prendada, mas foi avisado pelos amigos de que ela possuía um grave defeito: teimava sem que ninguém a convencesse.

O rapaz, que estava gostando muito da moça, decidiu-se a pedir-lhe a mão em casamento, apesar das informações.

O futuro sogro chamou-o para uma conversa reservada e disse-lhe a mesma coisa. A filha era boa dona de casa, honesta, econômica e séria, mas teimava como jumento.

— Não se preocupe com isso — respondeu o noivo — deixe por minha conta!

Casaram-se. Foram levados para a residência preparada e todos foram embora. Os recém-casados conversaram muito e, pela meia-noite, um galo começou a cantar. O marido resmungou:

— Eu pedi ao galo que deixasse a cantiga para mais tarde.

Continuaram conversando e, de novo, o galo os interrompeu.

— Galo teimoso! Merece um castigo. Se ele cantar novamente...

O galo voltou a cantar. O rapaz segurou a espada, desembainhou-a e saiu. Voltou com o galo atravessado na lâmina da arma. Espetou-a num canto do quarto e disse para sua assombrada esposa:

— Para quem é teimoso, tenho ponta de espada!

A mulher encolheu-se toda, tremendo de medo. Nunca se atreveu a teimar. Viveram como Deus com os anjos.

O velho sogro é que ficou espantado com a obediência da filha e tanto perguntou ao genro o segredo que este lho confiou. Deliberou o velho empregar o mesmo processo e, durante a noite, assim que o galo cantou, ele deixou a cama e voltou com o pobre bicho espetado numa faca. E disse, muito sério:

— Para quem é teimoso, tenho ponta de faca!

A velha, sem se alterar, respondeu:

— Perdeu seu tempo! Mata-se o galo na primeira noite, seu bobo.
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Fonte: Jangada Brasil (Em Cascudo, Luís da Câmara. Literatura oral no Brasil. 3ª ed. Belo Horizonte / São Paulo, Editora Itatiaia / Editora da Universidade de São Paulo, 1984. Reconquista do Brasil - nova série, v. 84, p.307-308).

Adivinha, adivinhão

Era uma vez um homem muito sabido mas infeliz nos negócios. Já estava ficando velho e continuava pobre como Jó. Pensou muito em melhorar sua vida e resolveu sair pelo mundo dizendo-se adivinhão. Dito e feito. Arranjou uma trouxa com a roupa e largou-se.

Depois de muito andar chegou ao palácio de um rei e pediu licença para dormir. Quando estava ceando o rei lhe disse que o palácio estava cheio de ladrões astuciosos. Vai o homem e se oferece para descobrir tudo, ficando um mês naquela beleza. O rei aceitou.

No outro dia, o homem passou do bom e do melhor e não descobriu coisa alguma. Na hora de cear, quando o criado trazia o café, o adivinho exclamou, referindo-se ao dia que passara:

— Um está visto!

O criado ficou branco de medo porque era justamente um dos larápios. No dia seguinte veio outro criado ao anoitecer e o adivinhão repetiu:

— O segundo está aqui!

O criado, também gatuno, empalideceu e atirou-se de joelhos, confessando tudo e dando o nome do terceiro cúmplice. Foram presos e o rei ficou satisfeito com as habilidades do adivinho.

Dias depois roubaram a coroa do rei e este prometeu uma riqueza a quem adivinhasse o ladrão. O adivinho reuniu todos os criados numa sala e cobriu um galo com uma toalha. Depois explicou que todos deviam passar a mão nas costas do galo. O adivinho, cada vez que alguém ia meter o braço debaixo da toalha, fazia piruetas e dizia alto:

— Adivinha, adivinhão. A mão do ladrão!

Todos acabaram de fazer o serviço e o adivinho mandou que mostrassem a palma da mão. Dois homens estavam com as mãos limpas e os demais sujos de fuligem.

— Prendam estes dois que são os ladrões da coroa!

Os homens foram presos e eram eles mesmos. A coroa foi achada. O adivinho explicou a manobra. O galo estava coberto de tisna de panela, emporcalhando a mão de quem lhe tocasse nas costas. Os dois ladrões não quiseram arriscar a sorte e por isso fingiram apenas que o faziam, ficando com as mãos limpas.

O rei deu muito dinheiro ao adivinhão e este voltou rico para sua terra.

(Versão registrada por Luís da Câmara Cascudo, informada por Benvenuta de Araújo, em Natal, RN).

Fonte: Brandão, Téo. Seis contos populares do Brasil. Rio de Janeiro, Instituto Nacional do Folclore; Maceió, Universidade Federal de Alagoas, 1982, p.46-47.

Vavá, peito de aço

Ele jamais foi artilheiro isolado de qualquer campeonato, mas deixou seu nome inscrito no panteão dos mais va1orosos artilheiros que o Brasil já conheceu: Vavá. Jogador raçudo e oportunista, não tinha medo de enfiar o pé em divididas, atitude que lhe valeu muitas contusões e inúmeros gols. Daí o apelido de Peito-de-Aço. Foi o centroavante bicampeão do Mundo nas Copas de 1958 e de 1962, marcando gols decisivos nas duas finais. Na Copa da Suécia, entrou machucado para jogar contra a poderosa União Soviética, o que não o impediu de assinalar os dois gols da vitória brasileira. Vestiu 25 vezes a camisa da Seleção, marcando em 15 oportunidades.

Edvaldo Izídio Neto, conhecido por Vavá e depois apelidado de "peito de aço", nasceu em Lagoa dos Gatos, PE, em 12/11/1934. Iniciou sua carreira futebolística jogando nas categorias inferiores do Sport Recife, como meia-armador, sendo campeão junior em 1949. Ao passar para o quadro principal, em 1950, passou a atuar como centroavante e seu faro de gol e suas arrancadas estilo Ademir, logo chegaram aos ouvidos dos dirigentes do Vasco da Gama que se apressaram em contratá-lo.  Inicialmente, no clube cruz-maltino, jogou nos juvenis, sendo imediatamente convocado para a Seleção Brasileira de Amadores que participou das Olimpíadas de Helsinque.

No Vasco da Gama, nos anos 1950.
Sua estréia na seleção brasileira principal foi no dia 13 de novembro de 1955 no estádio Mário Filho, o Maracanã. Noventa e cinco mil pessoas viram o Brasil fazer 3 a 0 no Paraguai, em partida válida pela Taça Oswaldo Cruz. Pelas atuações nas Copas de 58 e 62 recebeu o apelido de "Leão da Copa". Marcou 5 gols na Copa de 58 e 4 na de 62, sendo um dos co-artilheiros da competicão. É o único jogador na história das Copas a marcar gols em duas finais: 58 contra a Suécia (2 gols) e 62 contra a Tchecoslováquia (1 gol). Vestiu a "canarinha" 25 vezes, marcando 15 gols.

Além de jogar na seleção brasileira, no Vasco e no Sport, Vavá passou também pelo Atlético de Madrid (1958 a 1961) da Espanha, Palmeiras (1961 a 1964), América do México (1964 a 1967) e San Diego dos EUA (1967 a 1969).

Em 1981, dirigiu a seleção canarinho no Mundial de Juniores. Continuando sua carreira pelo escrete canarinho após o fim da carreira, foi auxiliar técnico de Telê Santana no time que disputou a Copa do Mundo de 1982, na Espanha.

O grande Vavá morreu aos 67 anos no dia 19 de janeiro de 2002, no Rio de Janeiro, por problemas cardíacos.

Vavá marcando contra a França, na Copa da Suécia, em 1958

Clubes em que jogou

América Futebol Clube do Recife (1948), Íbis Sport Club (1948), Sport Club do Recife (1949-1950), Vasco da Gama-RJ (1951 a 1958), Atlético de Madrid (Espanha) (1958 a 1961), Palmeiras-SP (1961 a 1964), América (México) (1964 a 1965, e 1966 a 1967), Elche (Espanha) (1965 a 1966), Toros Naza (México) (1967 a 1968), San Diego Toros (EUA) (1968 a 1969) e Portuguesa-RJ - (1969 - onde encerrou sua carreira).

História na Seleção Brasileira

Pela Seleção Brasileira: 23 partidas, 19 vitórias, 3 empates, 1 derrota, 14 gols; Contra Seleções Nacionais: 20 partidas, 16 vitórias, 3 empates, 1 derrota, 14 gols; Contra Clubes ou Seleções Estaduais: 3 partidas, 3 vitórias; Seleção Olímpica: 3 partidas, 2 vitórias, 1 derrota, 1 gol; Jogou na Copa do Mundo de 1958 e 1962

Títulos

Copa do Mundo (1958 e 1962) - Seleção Brasileira; Campeonato Carioca (1952, 1956 e 1958) - Vasco da Gama; Torneio de Paris (1957) - Vasco da Gama; Torneio Rio-São Paulo (1958) - Vasco da Gama; Taça Oswaldo Cruz (1958 e 1962) - Seleção Brasileira;   Campeonato Paulista (1963) - Palmeiras.

Fontes: Revista Placar; Wikipédia; Super Vasco.

Quarentinha, frieza de matador

No maravilhoso Botafogo de Garrincha, o homem encarregado de marcar gols se chamava Waldir Cardoso Lebrego, o popular Quarentinha. Possuidor de uma canhota fortíssima, Quarentinha se tornou o maior artilheiro da história do alvinegro com 310 gols. Além disso, foi três vezes seguidas artilheiro carioca, em 1958 com dezenove gols, em 1959 e 1960, com 25 nas duas temporadas. Entretanto, o que mais chamava a atenção neste ponta-de-lança era a frieza: depois de conferir os tentos, simplesmente voltava andando para o meio de campo: "Sou pago para marcar gols, não faço mais do que a minha obrigação", repetia.

Waldir Cardoso Lebrego nasceu em Belém, Pará, em 15/09/1933, e era filho do também jogador e ídolo do Paysandu, Luís Gonzaga Lebrego, o Quarenta. Iniciou a carreira no clube do pai e com 16 anos já era titular do time. Transferiu-se para o Vitória em 1953, onde foi campeão do Campeonato Baiano.

No ano seguinte, foi contratado pelo Botafogo. Lá se tornou o maior artilheiro da história do clube, com 310 gols em 444 jogos. Ainda assim, para Quarentinha isso não era motivos para comemorações. O ponta-de-lança, com potente perna esquerda, nunca fazia festa para seus gols, o que irritava a torcida botafoguense. Dizia que não havia razão para festejos, pois ele estava apenas cumprindo com a obrigação, já que era pago pra isso.

Jogando ao lado de Didi e Garrincha, fez história e foi o artilheiro do Campeonato Carioca por três edições seguidas: 1958/59/60. Pela seleção brasileira marcou 17 gols em 17 jogos.

Jogou também em outros clubes do Rio de Janeiro, da Colômbia e de Santa Catarina, antes de encerrar a carreira. Morreu no Rio de Janeiro, RJ, em 11/02/1996, de insuficiência cardíaca aos 62 anos.

Títulos

Campeão pelo Botafogo em 1957/1961/1962 (Campeonato Carioca), do Torneio Rio-São Paulo 1962/1964 e do Torneio de Paris (1963). Quadrangular Internacional do Rio de Janeiro: 1954, Torneio João Teixeira de Carvalho: 1958, Pentagonal Interclubes do México: 1958, Torneio Internacional de Clubes da Colômbia: 1960, Pentagonal Interclubes do México: 1962, Torneio Jubileu de Ouro da Bolívia: 1964, Quadrangular Interclubes de Buenos Aires (Argentina): 1964, Torneio do Suriname: 1964.

Fontes: Revista Placar; Quarentinha: o Artilheiro que não Sorria (Rafael Casé, Editora Livros de Futebol, 2008).

O homem que não foi a São Paulo

De repente deu-lhe aquela chateação de ter que ir para São Paulo. Olhou para a valise já prontinha, que a mulher preparara e que descansava sobre uma poltrona do escritório, e puxou um longo suspiro.

Depois olhou para a passagem da Ponte Aérea que estava em cima da mesa e sentiu um leve, um quase imperceptível mal-estar.

Afinal, tinha pouca coisa a fazer em São Paulo. Se tivesse sorte de conseguir uma linha, talvez resolvesse tudo com o chefe do escritório de lá e então ficaria com uma noite livre no Rio, iria para onde bem entendesse, dormiria num hotel qualquer e não teria de dar satisfações a Mercedes, que esta estaria crente que ele seguira mesmo para São Paulo.

Pegou o telefone e discou "Interurbano". A voz neutra e irritante da telefonista perguntou o que ele queria. Cruzou os dedos e pediu São Paulo, aliviado de não ouvir em seguida aquela frase cretina: "Os circuitos estão ocupados, queira chamar mais tarde." Quando acabou de dar as ordens ao chefe do escritório, sentia-se bem melhor.

Ao pegar de novo o telefone, parecia muito bem disposto e teve de se conter para não demonstrar sua alegria:

— Mercedes? Sou eu. .. Já vou sim. Não sei, meu bem. Sigo agorinha para o aeroporto e pego o primeiro que tiver lugar. Obrigado. Outro pra você.

Desligou e ficou imaginando que era o golpe. Ir para um bar e encher a caveira? Telefonar para uma daquelas desajustadas de sempre? Ia optar pela segunda hipótese, quando se lembrou que já era um pouco tarde e mulher avulsa que se preze não continua avulsa depois que a tarde cai. O jeito era sair por aí... Mas novamente o telefone entrou em cena. A campainha soou e ele ouviu a voz do Augusto:

— Seu passe está livre para um pagode?

Aquilo caía do céu: — Puxa, Augusto... você encaixou na horinha. Imagine que eu ia para São Paulo e resolvi não ir... Mal telefonei para Mercedes... acabei de ligar, dizendo que ia, mas disposto a ficar por aqui mesmo.

— Ótimo! — exclamou o Augusto. — Pois eu estou de cacho aí com uma pequena bem razoável. Ela me avisou que tem uma amiguinha sobrando, coisa fina, e pediu que eu levasse um amigo.

— Tô nessa boca — berrou o que ia a São Paulo e não foi, achando que mais uma vez se confirmava a sua sorte com mulher. E apressou-se: — Diga à sua amiguinha para levar a outra que eu terei o maior prazer em desencaminhá-la.

Augusto esclareceu que não precisava isso. Já estava tudo combinado: as duas estariam no bar assim-assim, às tantas horas, esperando. E, a uma pergunta aflita, tratou de tranqüilizar o amigo: não conhecia a outra, mas devia ser boa sim, porque tivera o cuidado de se informar sobre este detalhe e sua pequena garantira que era papa-fina.

Saíram logo que Augusto chegou no escritório. Estava tão animado que já ia esquecendo a valise em cima da poltrona. Voltou, apanhou-a e, antes de apagar a luz, rasgou a passagem da Ponte Aérea e jogou na cesta. "Mercedes pode ver esta porcaria no meu bolso e vai ser fogo" — pensou.

E juntou ao pensamento um ditado de sua autoria que costumava usar sempre que se metia numa baderna: "Marido prevenido, casamento garantido."

Augusto manobrou o carro e entrou na vaga com facilidade. Antes de atravessarem a rua, apontou para o barzinho elegante da esquina, explicando que elas estavam esperando ali. Quando entraram na sala um tanto quanto penumbrosa, a penumbra não chegou para esconder a mulher que acenou em sua direção:

— Aquela é a minha — foi dizendo o Augusto — e a outra é a sua.

Como se ele não soubesse que era a sua!

Lá estava ela, toda fresca, no vestido vermelho que ele financiara na véspera. Aliás, foi o ar fresco que lhe deu mais raiva. Partiu por entre as mesas bufando e iniciou incontinenti o festival de bolachas.

— Mas o que é isto... mas o que é isto? — perguntava Augusto atônito.

Ninguém ali sabia direito por que é que ele estava batendo, mas Mercedes sabia perfeitamente por que é que estava apanhando.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

Werther

Não me lembro de ter dito que o Palhares, o canalha, é o carioca radical. Sim, ninguém mais carioca, ninguém tão carioca. É uma espécie de irmão das coisas, das esquinas, das retretas, dos paralelepípedos da cidade.

Olha o Pão de Açúcar como se fosse a primeira vez, sempre a primeira vez. E tem a sensação de que a luz acaba de inaugurar o Corcovado.

Pois bem. E, ontem, eu estava na Cinelândia, olhando os pombos. Não sei que misterioso pudor me impede de lhes dar milho na mão. De repente, ouço o berro: — "Nelson! Nelson!". Era o Palhares, "o que não respeita nem as cunhadas".

Na calçada da Biblioteca, ele, qual um extrovertido ululante, berrava o meu nome.

E, depois, atravessou a Avenida. Os automóveis em disparada raspavam o magnífico pulha. Mas ele chegou do outro lado, sem um arranhão, sem uma fratura e sem uma trombada.

Olhei o canalha. Como sempre, tinha uma pele de quem lavou o rosto há quinze minutos. E anunciou: — "Tenho uma pra te contar, menino!". Imaginei que devia ser a sua última conquista. O Palhares tem sempre uma "última conquista". E ele, já de olho rútilo, ia começar.

Súbito, balbucia: — "Até logo, até logo!". Segurei-o pelo braço: — "Que é isso, rapaz?". Diz, baixo: — "Vem aí o Torres. Já me viu. Torres, o homem de bem. O maior chato do Rio de Janeiro. Adeus!". Largou-me e fugiu.

E eu, que também conhecia o Torres, tratei de escapar.

Atravessei para a Câmara, dobrei a Evaristo da Veiga e fui andando, rente à parede. Se vocês conhecessem o Torres, "o homem de bem", justificariam o meu horror e o do Palhares.

O Torres é a virtude mais promocional do Rio de Janeiro. Em todas as esquinas, salas e retretas ele esfrega, na cara dos outros, a sua honra. Lembro-me de um dia em que, na esquina de Sete de Setembro, bramava: — "Sou um homem de bem! Sou um homem de bem!". E quando ele aparece as pessoas fogem, como se ele fosse o Juízo Final ou, pior do que isso, o rapa.

Jamais o Torres deu um biscoito a um pobre sem promover tal esmola em manchetes. Mas não é ele o único Narciso da caridade. A toda hora e em toda parte, há íntegros que nos atropelam com a sua integridade, há justos que nos humilham com a sua justiça, há castos que nos ofendem com a sua pureza. Raríssima uma bondade sem impudor. Por isso, chega a ser inquietante o caso de Abrahim Tebet.

Digo-lhe o nome e não sei se vocês o conhecem. Foi homem do esporte, do futebol, do escrete. Mas o que me interessa é o Abrahim Tebet "ser humano". Muita gente só tem de humano o terno, a gravata, os sapatos. E passamos meses e até anos sem ver ninguém parecido com o ser humano.

Há dois ou três dias, Abrahim tomou posse do cargo de presidente do Conselho Estadual de Trânsito. Ah, que figura patética e, eu quase dizia, chapliniana, a do "empossado".

Depois do governador Negrão de Lima, falou o próprio Abrahim. Imaginei: — "Vai chorar!". Mas não chorou. Ah, o esforço que fez para controlar a própria tensão. Ao lado, estava o Luís Alberto Bahia, o chefe da Casa Civil. Nós sabemos que o poder gosta de pôr uma máscara hirta. Mas o nosso Bahia é, justamente, o poder dionisíaco. Sai de casa, num suntuário chapa-branca, e leva no bolso várias gargalhadas. Ria para mim, para o Abrahim, para todo o mundo. Essa alegria antioficial estarrecia os mais tímidos.

Mas sem querer estou pecando contra o meu assunto. Volto a ele. Eis o que eu queria dizer: — vimos a bondade do Torres, que se badala como um sino indigno. Mas a do Abrahim é, justamente, a que se esconde, a que se nega, e se disfarça. Diria que ele faz o bem às escondidas, como quem pratica um ato obsceno. É bom com vergonha de o ser.

Quando ele deixou a CBD, houve quem sussurrasse o vaticínio: — "Vai morrer de fome". Aí está. Abrahim, o doce, sempre terá uma fatia de pão e um pouco de manteiga para lhe barrar por cima. (Não sei se eu disse que o Luís Alberto Bahia tem o riso luminoso e forte dos sátiros vadios). Falei de Abrahim e passo ao Nelsinho Motta.

Dias atrás, escrevi sobre o jovem cronista, e não só cronista: — também homem de TV, da canção, do romance (ainda não escreveu nenhum romance, mas será, um dia, romancista). E o Nelsinho, que é romântico por dentro e por fora, romântico no terno, romântico na gravata, romântico na calça de veludo e romântico na palidez. Faço ponto, porque já vou arquejando.

E, como ia dizendo: — o Nelsinho escreveu, justamente, contra os românticos. Há uma rapaziada aí que anda bebendo nas fontes líricas da música popular. E meteu-lhe o pau.

Não contente, Nelsinho faz do Chico Buarque de Holanda uma imagem cruelmente inexata. Na sua versão, o autor de A banda seria um vampiro saudoso de carótidas, querendo beber o sangue gelado da burguesia. Mas esse é o falso Chico, a negação do Chico, o anti-Chico. Ninguém mais nostálgico, ninguém mais fremente, ninguém mais pungente.

E como é antiga e infeliz a sua ternura. Querem transformar um Pierrô do Méier num Guevara de capinzal vagabundo.

Dirá o leitor: — "E Roda viva?". Ah, Roda viva é também o anti-Chico, e por outras palavras: — Roda viva é o José Celso. O diretor sentou-se na alma do espetáculo. No texto que lá aparece não há uma janela. Ora, o Chico tem, como as modinhas antigas, a obsessão das janelas. Eu me lembro de uma letra de Hermes Fontes (de Hermes Fontes ou Olegário). Diz assim: — "Pela janela da saudade" etc. etc. Aí está insinuada a Carolina.

E eu achei que toda a crônica do Nelsinho tinha um som de moeda falsa. Por que o pudor de ser piegas? Que somos nós, todos nós, senão 80 milhões de piegas? E o Nelsinho, que é capaz de fazer um pacto de morte na primeira esquina, e Chico, idem? Um ou outro devia aparecer na boca-de-cena e anunciar, de fronte alta: — "Damas e cavalheiros: — Eu sou um piegas nato e hereditário". E o Sérgio Buarque de Holanda, uma das inteligências mais sérias do Brasil? Em várias entrevistas, já declarou: — "Eu sou apenas o pai do Chico". Eis um gesto do piegas radical e incontrolável.

Quando escrevi sobre o Nelsinho, estava disposto a uma feroz polêmica. Seria o patético, raiando pelo sublime: — de um lado, eu, velho, de uma velhice inenarrável; de outro lado, o Nelsinho, com todo o esplendor das Novas Gerações.

Mas não há tal polêmica. O Nelsinho pensa como eu, sente como eu, e mais: — usa contra mim as minhas próprias piadas. Quando cruzar com esta figura da belle époque, hei de perguntar-lhe: — "Quando é o pacto de morte?".

E dirá ele, pálido como um Werther: — "Estou caprichando".

[8/8/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Pagode no Cosme Velho

Foi ao cair da tarde. O amigo telefonou, ele estava sonolento no escritório refrigerado, refestelado numa poltrona, com os pés estendidos em cima da mesa. Estava mesmo doido para um programa diferente.

Atendeu o telefone meio aborrecido, pensando que fosse algum chato, falando de negócios. Mas era o amigo convidando para o "Grito de Carnaval".

— Mas já??? — perguntou, espantado.

O amigo explicou que era um misto de grito de carnaval com grito de Natal, enfim, era uma festinha dessas de sair faísca, só com gente séria, isto é, gente que sai do sério, mas não espalha. Uísque às pampas, mulher aos potes, dando sopa. Coisa muito íntima e se ele não fosse não saberia nunca o que perdeu.

— Mas eu estou com terno de casimira escura. Hoje fui à missa de sétimo dia do meu sócio. Você não vai querer que eu vá para um pagode desses vestido de Jorgito Chaves.

— E isto é problema? — incentivava o amigo. Saía do escritório, ia numa loja por ali por perto e comprava um short colorido, uma camisa dessas de espantar americano e um chapeuzinho "Nat King Cole".

— E os sapatos? Eu estou de sapatos pretos, meias idem e ligas na canela.

Pois que fosse assim mesmo. Dava um toque de galhofa na coisa: short, camisa colorida, chapeuzinho "Nat King Cole", mas de sapatos e meias pretas, com liga na canela.

— Não ficarei ridículo? — perguntou, com certo receio.

— Ora, Rosamundo! Ridículo é ir para casa se chatear, tendo um pagode desses dando sopa — disse o amigo, convencendo-o em definitivo.

Combinaram tudo e ele já ia desligar, quando se lembrou do outro problema:

— Mas onde é que eu vou mudar de roupa? Se eu sair daqui do escritório vestido para a festa, eu fico tão desmoralizado com meus empregados que eles vão exigir até o 14º salário.

— No carro, Rosamundo. A festa é lá no Cosme Velho, numa casa discretíssima, pombas! Você muda de roupa no carro.

É... mudaria a roupa no carro.- Apertou o telespeak, quando a secretária entrou (era uma velhota muito da castigada pelas intempéries da vida, que sua mulher escolhera para secretária), avisou que ia sair.

— Se Margarida (era a esposa) telefonar, diga que eu fui a uma reunião no ministério e chegarei mais tarde para jantar.

Dali saiu direto para uma loja de artigos mais ou menos masculinos. O leitor vai perdoar o "mais ou menos", mas é que certas lojas grã-finas de artigos masculinos andam vendendo cada camisinha, cada calcinha apertadinha de confecção tão marota que, eu vou te contar... O nosso amigo, porém, queria era um short, um chapeuzinho, aquele, etc. Entrou, escolheu tudo, disse que não precisava embrulhar, pagou e se sacudiu para a tal casa do Cosme Velho.

Estacionou bem pertinho, mas não em frente, para poder trocar de roupa, e meia hora depois estava se esbaldando na festa, abraçado a uma pioneira sexual, dessas que de tarde são mocinhas desgarradas e de noite passeiam pela Avenida Atlântica assoviando fininho para os carros que passam.

O forró só acabou aí pelas onze da noite. Suado e amarrotado voltou para o carro e então percebeu que esquecera de trancar a porta.

A suspeita que logo lhe veio à mente transformou-se na amarga realidade. Alguém se aproveitara e roubara sua roupa. E agora? Como é que ia pra casa naqueles trajes?

— Bem que eu estava com a impressão de que isto ia dar galho — bufava ele para o amigo que o convidara. Este, sentindo-se um pouco culpado (mais por causa do uísque do que por ter consciência), foi quem encontrou a desculpa ideal.

— Vai pra casa assim mesmo. Quando sua mulher perguntar você diz que ia passando debaixo de um tapume, quando o pintor que pintava o tapume deixou cair a lata de tinta em cima de você. Diz que sua roupa ficou inutilizada. Diz que estava comigo que eu confirmo depois. Fala pra ela que o jeito foi entrar numa loja qualquer e comprar um short e uma camisa, que era mais barato.

— E o chapeuzinho "Nat King Cole"? Que é que eu faço? — dizia o infeliz, sem disfarçar o nervosismo.

— O chapeuzinho você joga fora agora, sua besta — propôs o outro, juntando a ação à palavra e atirando longe o dito cujo.

Rosamundo chegou em casa meio encolhido, com medo de que a mentira não colasse. A esposa estava de tão bom humor que acreditou em tudo. Já suspirava aliviado, quando ela disse:

— A roupa suja de tinta está ali naquela poltrona, seu cretino.

Só então ele viu, só então percebeu: o paletó, a gravata, as calças, tudo dobradinho, tal como ele deixara no assento traseiro do carro, estava numa poltrona da sala.

O desquite será decidido breve, embora Rosamundo não saiba como pôde dar tanto azar assim da esposa passar justo numa rua sem qualquer movimento, lá no Cosme Velho, ver seu carro... puxa, era muita falta de sorte!

Aliás, não era. O desquite, para Rosamundo, até que será um grande negócio, porque ele não sabe, mas Margarida também ia àquele pagode.

Só não foi porque, ao chegar na porta da casa, viu o carro de Rosamundo estacionado.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

O paulista

Certa vez, estou em casa, quando bate o telefone. Atendo: — era o paulista. Fiz-lhe uma festa imensa: — "Como vai? Há quanto tempo!". E, de fato, não nos víamos há uns três anos. Ou mais. Quatro ou cinco anos. Sou um desses brasileiros que vão pouco a São Paulo. Em 55 anos de vida passei por lá três ou quatro vezes. Só. E não sei se por culpa minha ou de São Paulo ou de ambos. Creio que de ambos.

Um dia, fui a São Paulo, de automóvel, ver um jogo. Se não me engano, Brasil x Tchecoslováquia. Exatamente, Brasil x Tchecoslováquia. E ele foi comigo ao Pacaembu. Torcíamos juntos, ou por outra: — só me lembro da minha torcida. A dele apagou-se completamente na minha memória.

Do Pacaembu saímos para jantar. Jantamos. E já me pergunto: — será que jantamos mesmo? Sei lá. Passamos a noite juntos. Ele não arredava o pé de mim. Fazia um frio tão feroz — era junho — que, em dado momento, tive vontade de chorar, sentado no meio-fio.

O homem foi para mim uma espécie, digamos, de irmão súbito. Não consegui pagar uma caixa de fósforo. Ele subvencionou tudo. E fez questão de me levar no trem.

Desembarquei no Rio e me saturei, até os sapatos, de vida carioca. Passa-se o tempo e, de vez em quando, me lembrava do paulista. Via com a maior nitidez a sua cara, o terno, a camisa, e nada mais. Lembrava-me, sim, do seu pigarro. Mas não me ficara de nossa convivência uma palavra, uma frase, um "boa-noite", um "adeus". Cheguei a pensar que, em minha passagem por São Paulo, ou eu era surdo ou ele mudo.

Mas claro que se tratava de uma ilusão auditiva: — até uma múmia acompanhada há de falar coisas, dizer frases, soltar palavrões etc. etc. E eu só me lembrava de um único e escasso pigarro.

Mas, enfim, estava ele no Rio. Ótimo, ótimo. Eu ia vê-lo e, mais do que isso, ia ouvi-lo. No telefone, combinamos um jantar. Exagerei, patético: — "Você não imagina a minha alegria". Quis saber: — "Quanto tempo vai passar aqui?". Resposta: — "Dois dias". Ao sair do telefone, juntei ao pigarro mais umas quinze palavras. Vejam bem: — quinze palavras e um pigarro tinham, para mim, quase que a abundância de uma ópera.

Vou encurtar, porque não quero tomar o tempo do leitor.

Jantamos, nesse dia, almoçamos e jantamos no dia seguinte, fomos ao teatro e ainda ceamos na sua última madrugada de Rio. De manhã, compareci ao aeroporto. Perguntei-lhe: — "Até quando?". Teve um sorriso inescrutável e não disse uma palavra. Por fim, tomou o avião e partiu. Vim embora e aqui começa a minha trágica perplexidade: — eu voltava à mesma situação. O outro era um paulista fino, inteligente, um homem de sensibilidade, de imaginação. Há momentos em que o mais incomunicável dos homens tem que fazer uma confidencia. Ou faz uma confidência ou morre. E ele, nos seus dois dias de Rio, não fizera nenhuma confidência.

A princípio, ainda tentei forçar aquela barreira de silêncio. Mas senti que era inútil e calei-me também. E, então, aconteceu esta coisa vagamente alucinatória: — éramos dois silêncios que andavam um atrás do outro; dois silêncios que comiam, bebiam, fumavam e se entreolhavam.

Deu-me, por vezes, a vontade de ouvir-lhe o som do pigarro. Se não tinha o que dizer, podia dar-me a esmola auditiva de um pigarro. Por imitação inconsciente, eu ia-me tornando paulista também.

Saí do aeroporto numa melancolia hedionda. E a primeira buzina que ouvi deu-me uma desesperada euforia. Pensei: — "Ao menos as buzinas falam!".

Entrei na redação e fui adiantar serviço. Passei dez minutos diante da máquina. Mas não me ocorria absolutamente nada. O papel estava na máquina, branco, virginal.

Acabei decidindo: — "Vou escrever sobre o kaiser". Mas quando comecei a bater as teclas, saiu-me esta frase: — "A pior forma de solidão é a companhia de um paulista". Reli, honestamente espantado. A coisa nascera sem nenhuma elaboração prévia.

Continuei a escrever. Expliquei a verdade, isto é, que a frase me escapara sem querer. E fiz toda uma crônica sobre o kaiser.

Dias depois, encontrei-me, na casa do Pitanguy, com a sra. Clô Prado. Falou da minha frase com uma ternura agradecida: — "Como é verdadeiro o que você disse! Como é exato! Como é perfeito!". Nessa mesma noite, e ainda na casa do Pitanguy, um dos convidados achou que eu escrevera, numa simples frase, uma verdade estadual inapelável e eterna.

Já no fim da madrugada, uma terceira pessoa me levou para os fundos da casa. Pitanguy tem uma piscina. E foi, perto da piscina, que conversamos.

Era ainda a frase. O convidado começou por dizer que o paulista é a única solidão do Brasil. E aí está sua formidável superioridade sobre todos os outros brasileiros. E o que explica a epopéia industrial de São Paulo é a solidão.

Realmente, o paulista é capaz de viver, amar, envelhecer sem fazer jamais uma confidência, nem ao médium depois de morto. Os demais brasileiros são extrovertidos ululantes, está certo. Mas não fazem o Brasil. O único que faz o Brasil é o paulista. O autor do Brasil é São Paulo.

Fiz-lhe a pergunta: — "O senhor é paulista?". Era.

Todos os autores têm suas três ou quatro frases bem-sucedidas. Não sei se me entendem. São frases que adquirem vida própria e que duram mais do que o autor, mais do que o estilo do autor, mais do que as obras completas do autor.

Imaginem que a da solidão paulista ainda me rende bons dividendos. Ontem, por exemplo. O telefone me chama. Vou lá. Era uma voz fininha de criança que baixa em centro espírita. Veio a pergunta: "Seu Nelson?". E eu: — "Pois não". Começou dizendo que era paulista. Começo a ficar inquieto.

Continua: — "Vim-lhe falar sobre aquilo que o senhor escreveu". Eu não digo nada ou, melhor, digo: — "Ah, sim, sim". Evidentemente, era a frase. Pergunto: — "A senhora concorda ou não?". E a voz de anjo defunto: — "Foi a maior verdade que o senhor já disse na sua vida. O senhor é paulista?". Quase pedi desculpas de ser pernambucano.

Conversamos uma hora ou mais. Disse a idade: — oitenta.

Era paulista há oitenta anos. Casada desde os quinze, vivera com o marido, outro paulista, por 65 anos. Ele era fazendeiro, não sei onde. E passavam dias, semanas, meses de silêncio total. Muitas vezes, ela já não se lembrava de como era a voz do marido e chegava a esquecer a própria. E a velhinha me perguntou: — "O senhor acredita se eu lhe disser que enterrei meu marido na semana passada?". Acreditei. Em mais de meio século de coabitação, nem lhe conhecera o gemido, o simples gemido. Um ficava escutando o silêncio do outro. Ele agonizara sem gemer.

E, depois, lá foi ela para a capelinha. Floriu, velou e chorou um desconhecido.

[7/8/1968]


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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

quinta-feira, 27 de outubro de 2011

Toninho Guerreiro, o príncipe da grande área

Pelé vinha conquistando seguidamente a artilharia do campeonato paulista quando, em 1966, seu companheiro de time Antônio Ferreira, mais conhecido por Toninho Guerreiro, acabou com a hegemonia do Rei. Naquele ano, Toninho marcou 27 gols. Ele ainda se tornaria outras duas vezes artilheiro, em 1970 com treze gols e 1972 com quinze, ambas jogando pelo São Paulo. Jogador raçudo e com excelente visão de gol, Toninho conseguiu ainda outro feito inédito: o de ser o único jogador pentacampeão paulista (um tri pelo Santos de 1967 a 1969 e um bi pelo São Paulo de 1970 e 1971).

Antônio Ferreira nasceu em Bauru, SP, em 10 de agosto de 1942, e começou sua carreira no time de sua cidade natal, o Noroeste, equipe na qual jogou de 1960 a 1962. Em seguida, fez história no Santos e no São Paulo. Depois de Coutinho, foi o parceiro de Pelé que mais fez sucesso no Santos.

Foi definido pela revista Placar como "um centroavante que fica andando pelo campo e, de repente, com um chute maluco, mete um gol". Ficou conhecido como o único pentacampeão do campeonato paulista.

Segundo contava, deixou de ir à Copa do Mundo de 1970, no México, quando os médicos lhe diagnosticaram uma "sinusite". Isso teria sido, na verdade, um pretexto para a convocação em seu lugar do jogador Dario (ex-Atlético-MG), em atendimento a um "desejo" do então presidente da época, Emílio Garrastazu Médici.

Toninho faleceu em São Paulo, SP, em 26 de janeiro de 1990. O peso, a boemia e o cigarro foram minando o corpo de um dos mais competentes centroavantes que o Brasil teve em todos os tempos.

Clubes que atuou

Noroeste-SP: 1960 a 1962 e 1975; Santos: 1962 a 1969; São Paulo: 1969 a 1973; Flamengo: 1974.

Títulos

Santos: Copa Intercontinental - 1963; Recopa Intercontinental - 1968; Taça Libertadores da América - 1963; Recopa Sul-americana - 1968; Taça Brasil - 1964, 1965 e 1968; Torneio Rio-São Paulo - 1963, 1964 e 1966; Campeonato Paulista - 1967, 1968 e 1969.

São Paulo: Campeonato Paulista - 1970 e 1971.

Artilharia

Recopa dos Campeões Intercontinentais: 1968 (1 gol); Taça Libertadores da América: 1972 (06 gols); Campeonato Brasileiro de Futebol: 1968 (18 gols); Campeonato Paulista: 1966 (24 gols); Campeonato Paulista: 1970 (13 gols); Campeonato Paulista: 1972 (17 gols).

Recordes

Único pentacampeão paulista da história do futebol: 1967 a 1971. Quarto maior artilheiro da história do Santos Futebol Clube - 283 gols; Nono maior artilheiro do Santos no Torneio Rio-São Paulo - 10 gols.

Fontes: Revista Placar; Wikipédia; Que Fim Levou?.

O costume de bater na madeira

Como surgiu o costume de bater na madeira para afugentar o azar? Isso é muito antigo, provavelmente um costume de origem celta: seus sacerdotes, os druidas, batiam na madeira para afugentar os maus espíritos, acreditando que as árvores consumiam os demônios e os mandavam de volta à terra.

Já na Roma Antiga, batia-se na madeira da mesa, peça de mobília também considerada sagrada, para invocar as divindades protetoras do lar e da família.

Outra versão diz sua origem no fato de os raios caírem freqüentemente sobre as árvores. Os povos antigos - desde os egípcios até os índios do continente americano - teriam interpretado esse fato como sinal de que tais plantas seriam as moradas terrestres dos deuses. Assim, toda vez que se sentiam culpados por alguma coisa, batiam no tronco com os nós dos dedos para chamar as divindades e pedir perdão.

Se antes se procurava um tronco para as tradicionais pancadinhas, no ambiente urbano as pessoas começaram a procurar mesas, portas, o que fosse feito de madeira para o mesmo ritual.

Fonte: Mundo Estranho; Boa Sorte.

Farol de Alexandria

Na ilha de Faros - hoje uma península situada na baía da cidade de Alexandria, no Egito, e ligada por mar ao porto desta -  ergueu-se uma torre para servir como um marco de entrada para o porto e, posteriormente como farol. "Faros" em grego significa farol. Modelo para a construção dos que o sucederam, o Farol de Alexandria foi classificado como a segunda maravilha do mundo.

Todo de mármore e com 120 metros de altura - três vezes o Cristo Redentor no Rio de Janeiro -, foi construído por volta de 280 a.C. pelo arquiteto grego Sóstrato de Cnidos, por ordem de Ptolomeu II, rei grego que governava o Egito. Diz a lenda que Sóstrato procurou um material resistente à água do mar e por isso a torre teria sido construída sobre gigantescos blocos de vidro. Mas não há nenhum indício disso.

Com três estágios superpostos - o primeiro, quadrado; o segundo, octogonal; e o terceiro, cilíndrico -, dispunha de mecanismos que assinalavam a passagem do Sol, a direção dos ventos e as horas. Por uma rampa em espiral chegava-se ao topo, onde à noite brilhava uma chama para guiar os navegantes. Compreende-se a avançada tecnologia: Alexandria tinha-se tornado naquela época um centro de ciências e artes para onde convergiam os maiores intelectuais da Antigüidade.

Cumpria-se assim a vontade de Alexandre, o Grande, que ao fundar a cidade, em 332 a.C., queria transformá-la em centro mundial do comércio, da cultura e do ensino. Os reis que o sucederam deram continuidade a sua obra. Sob o reinado de Ptolomeu I (323-285 a.C.), por exemplo, o matemático grego Euclides criou o primeiro sistema de geometria. Também ali o astrônomo Aristarco de Santos chegou à conclusão de que o Sol e não a Terra era o centro do Universo.

Calcula-se que o farol tenha sido destruído entre os séculos XII e XIV. Mas não se sabe como nem por quê.

Em 1994, um time de arqueológicos mergulhadores, utilizando uma série de equipamentos sofisticados (localizadores via satélite, medidor eletrônico de distância e etc), encontraram sob as águas de Alexandria grandes blocos de pedra e estátuas do farol.

Fontes: Wikipedia; Superinteressante.

El sombrero

Cena: região inóspita e de vegetação raquítica, com um vento leve a suspender a poeira, enfim, uma paisagem de região subdesenvolvida. Ao fundo uma igreja tosca de onde vem o murmúrio dos fiéis rezando.

Nisso surge um mexicano daqueles, de bigode escorrido, sombrero enterrado até as sobrancelhas e olhar preguiçoso, de olhos semicerrados. Debaixo do braço um violão e no andar a displicência de todos os mexicanos.

Pára à porta da igreja, olha lá pra dentro e resolve entrar, sem se dignar a tirar o sombrero. Desrespeitosamente entra com ele en¬terrado na cabeça, sempre abraçado ao violão. Uma senhora de preto e ar compungido que está no último banco, olha-o e chama a sua atenção:

— Senor, el sombrero!

O mexicano parece não a ter ouvido e continua a caminhar de¬vagar pelo corredor entre os bancos. Logo uma outra senhora, aler¬tada pelo protesto da primeira, interrompe suas orações e sussurra ao seu ouvido:

— El sombrero, senor!

Mas o mexicano não dá importância e continua sua caminhada:

— El sombrero — reclama um velho exaltado, de dedo no nariz do mexicano, que passa por ele sem o menor sinal de atenção.

Pouco a pouco todos os presentes estão a exigir que tire o chapéu e os gritos de "el sombrero" partem praticamente de todas as bocas:

— El sombrero, el sombrero, el sombrero.

O mexicano impávido. Até parece que não é com ele. É quando o sacristão resolve tomar uma atitude e, já no fim do corredor, agarra-o pelo braço e diz:

— El sombrero, por favor!

Então o mexicano pára, olha em volta com seu olhar preguiçoso e, empunhando o violão, diz:

— Ya que ustedes insisten... De Perez y Gimenez, cantaré "El Sombrero".
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

Sobre vaidade

Há tempos, contei o caso do ministro que foi, pela primeira vez, à televisão. A família tremeu em cima dos sapatos. E não sei se a própria mulher, uma tia, ou uma cunhada, deu a sugestão espavorida: — "Toma banho! Toma banho!". E porque não lhe ocorrera a idéia do banho, o ministro julgou-se um vencido.

Imediatamente, a esposa se arremessou. Podia ser banho de chuveiro. Mas, como ele ia falar na TV, a santa senhora achou que devia ser banho de imersão. Encheu a banheira. Temperou a água. E o banho ministerial foi digno de Paulina Bonaparte. Do lado de fora, a mulher comandava: — "Esfrega bem! Esfrega bem!". Uma tia cochichou: — "Debaixo do braço!". E a mulher mais alto: — "Debaixo do braço, ouviu?".

Súbito, alguém veio dizer à esposa: — "Homem não sabe tomar banho. Não se limpa direito". Vozes a instigavam: — "Vai lá! Vai lá!". E ela foi. Quando s. exa. saiu, era o membro mais limpo do governo.

E, assim, esfregado pela própria mulher e mais perfumado do que uma noiva, lá se foi o ministro. Ele, só, não. Levava um acompanhamento estarrecedor. Parecia uma passeata de parentes. Havia, na família, uma solteirona de García Lorca. Chamada, não queria ir. Quase a laçaram; e a velha estrábica (era estrábica) teve que se incorporar à massa familiar.

O ministro entrou na estação em ânsias, palpitações sufocantes. Não acreditava em nada, era um ateu nato e hereditário. Todavia, na hora de ir para o ar, vira-se para a mulher: — "Reza por mim! Reza por mim!". E, com uma dispnéia pré-agônica, encaminhou-se para o abismo. Sim, a televisão era, para S. Exa., um abismo voraz e inédito.

Na frente das câmeras e dos microfones, deixou de ser o poder, o governo, a autoridade. Era o contínuo de si mesmo. Houve um momento em que, em pleno ar, teve sede. Apanhou o copo com as duas mãos. Mas parte da água voltava como uma baba.

Já não me lembro por que é que estou contando tudo isso. Ah, já sei, já sei. Eu queria demonstrar o óbvio, isto é, que a televisão fascina qualquer um. O sujeito pode ser rei, ou rainha, ou anjo, ou santo. Mas atravessa três desertos para entrar no programa do Chacrinha, da Dercy ou da Bibi.

Cabe então a pergunta: — e por que esse deslumbramento?

Vamos lá. Primeiro, porque, normalmente, cada um de nós é um ator sem platéia. Representamos, no máximo, para uma namorada, para meia dúzia de familiares, meia dúzia de vizinhos, meia dúzia de credores. E o sujeito que entra no Chacrinha sai de lá célebre. Aparece para milhões. E essa celebridade fulminante é a maior delícia terrena.

E quem fala para tantos pode, com uma frase, fundar uma religião, com outra frase derrubar um império, com uma terceira frase decapitar várias marias antonietas. De mais a mais, a simples imagem nos confere uma nova dimensão. Pois não há idiotas no vídeo.

Lembro-me de um outro ministro. Alguns espíritos, estreitamente positivos, afirmam que é débil mental de babar na gravata. Foi para a televisão e parecia um Disraeli. E De Gaulle, que fez De Gaulle, quando viu a França sob a brutal ocupação francesa? Correu à TV e anunciou: — "Eu sou a Revolução!".

Isso, dito cara a cara, e para meia dúzia, não convence ninguém. Mas uma platéia de 20 milhões não pensa. E não precisou polícia, nem exército, nem bazuca. Uma frase bastou. Sem nenhuma repressão sangrenta, o único francês vivo liquidou o que ele próprio chamou de "carnaval". Baixou sobre a França uma súbita quarta-feira de Cinzas. O que restou de tudo foi a ressaca do caos ululante.

E se alguém disser na televisão que é Joana D'Arc, será Joana D'Arc. Portanto, a França e colônias (se sobrou alguma colônia), todo mundo acreditou que De Gaulle era a própria Revolução de esporas e penacho.

Aqui mesmo tivemos o encontro de Carlos Lacerda e d. Hélder. Iam fazer um diálogo. Mas o diálogo foi monólogo. Só Lacerda falou. O arcebispo disse um "oba" à entrada e um "até logo" à saída.

Por que tal silêncio? Por dois motivos: — primeiro, porque d. Hélder só se interessa por d. Hélder; segundo, porque é um arcebispo de TV, um santo de TV. Ele próprio o disse: — "Não sou um Guevara de salão". É um Guevara de TV. Carlos Lacerda era um único e escasso espectador. D. Hélder só falaria para milhões de carlos lacerdas.

Eis o problema: — ninguém quer mais posar para meia dúzia. O nosso gesto, a nossa ênfase, a nossa careta pedem a grande comunicação, a formidável audiência. Aí está a minha CLASSE.

No passado, era-se atriz, ator, diretor para uma platéia de poucos. Mas hoje o palco passou a ser a pior forma de solidão. Diante dos 150 gatos-pingados de cada sessão, a Duse ou o Zaconi sente-se um Robinson Crusoé sem radinho de pilha. Instalou-se em cada um de nós, do teatro, a utopia das platéias fantásticas.

Disse-me o dramaturgo Plínio Marcos que queria representar e ser representado no ex-Maracanã, hoje Mário Filho, para uma platéia de Vasco x Flamengo, de Santos x Corinthians. Cada um de nós queria ser um Santos x Corinthians, um Vasco x Flamengo. Ou ainda: — qualquer um de nós gostaria de ser, na pior das hipóteses, uma preliminar de Fla-Flu.

Foi a televisão, claro, que nos deu essa obsessão numérica das grandes massas. Volto ao teatro. Lembro-me de um ator que me dizia, patético: — "Eu queria morrer no palco". Um outro, mais radical, além de querer morrer no palco, gostaria de ter nascido no palco. E o palco seria, duplamente, berço e túmulo. Hoje, este último gostaria de nascer e morrer na TV, para milhões.

Por que todos gostamos de fazer passeata? Pode parecer que temos altíssimas e sutilíssimas razões políticas, ideológicas, revolucionárias etc. etc. Na verdade, e até prova em contrário, o que há é a vontade que cada qual tem de ampliar a sua platéia. Reparem como tudo é pretexto para passeata. Há uma greve de veterinários? A CLASSE sai à rua. Mas como, se ela nunca tratou de cachorro? Não importam os cães, sejam eles galgos ou vira-latas. O que interessa é a conquista de uma nova e incalculável platéia.

Outrora, as sacadas não iam ao teatro, os automóveis não gostavam de teatro, os edifícios abominavam o teatro. E a passeata incorpora à sua platéia ideal milhares de carros, e prédios, e esquinas, e avenidas etc. etc. Dirá alguém que é um público sem bilheteria. E pergunto: — e a vaidade? Hoje, há poetas, sociólogos, arquitetos, protéticos, cardiologistas que pagariam, do próprio bolso, para entrar na passeata.

Eu disse "vaidade". Aí está a palavra que explica tudo. O que nos induz à passeata é, digamos, uma vaidade de leitão assado. Se não entenderam a metáfora, tentarei justificá-la.

Imaginem um salão imenso. Banquete. Quinhentas pessoas sentadas, entre casacas e decotes. E, lá do fundo, um garçom traz na bandeja um leitão. Levado na bandeja em desfile, o leitão há de sentir uma vaidade total. Assim também o artista, o literato, o cineasta ou o padre de passeata.

O sujeito parece desfilar triunfalmente, numa bandeja imaginária, e de maçã na boca, como o leitão assado.

[6/8/1968]
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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Cadelinha puro-sangue

Quando ela passava, pisando com garbo o asfalto da ruazinha sossegada, deixava a masculinidade local indócil. Mesmo os casados fingiam que vinham à janela para espiar o tempo, ou para jogar fora uma ponta de cigarro, ou para ver se as crianças-estavam-brincando-direitinho. Enfim, quando ela passava marcava ponto.

Também pudera! Mulher certinha estava ali. Aquilo era mulher para banquete de quatrocentos talheres. Bonita, sadia, corpo tamanho universal. Era de vê-la, irmãos, era de vê-la.

Trabalhar não trabalhava. Bastava olhar para ver o ócio a se derramar de seu olhar, pidão. Corria à boca pequena que era sustentada por um coronel.

Como toda mulher vaidosa e ociosa, tinha um cachorrinho. À noitinha costumava sair com seu cachorrinho, para passeá-lo um pouco. Aliás, minto... não era um cachorrinho: era uma cadelinha. Dessas ridiculamente poodles. Um dia, Mirinho estava atrás da persiana, olhando-a como sempre, quando ouviu ela dizer para uma doméstica que chamara a cadelinha de "um amor":

— É raça pura.

— Já cruzou? — perguntou a doméstica, numa curiosidade um tanto ou quanto grossa.

— Com esses vira-latas aqui da rua? Deus me livre! — e a boa fez cara de nojo, mesmo assim continuando uma gracinha. E acrescentou: — Esta só cruza com cão da mesma raça.

Mirinho ouviu, anotou e, quando conseguiu uma mesada mais gorda pouquinha coisa da sempre benemerente Tia Zulmira, comprou um cachorrinho poodle. Na tardinha seguinte, quando o pirão-da-redondeza deu a sua voltinha para passear a cadelinha, Mirinho entreabriu a porta e disse para o cachorrinho:

— Vai, Conquistador (Mirinho botou o nome no cachorrinho de "Conquistador" por motivos óbvios).

O cachorrinho saiu e foi direto fazer amizade de cachorro com a cadelinha. A dona da cadelinha achou Conquistador um amor. Levantou-o nos braços, deu beijinho no focinho e estava curiosa sobre sua procedência, quando Mirinho apareceu na calçada, fingindo-se preocupado, olhando em torno.

Nesse dia voltou com Conquistador debaixo do braço, mas conversou um pouquinho com a boa.

No segundo dia soltou Conquistador quando a boa já estava retornando ao lar. No terceiro, depois que ela já tinha entrado em casa. Enfim, do quinto ou sexto dia em diante, Conquistador já era íntimo da residência da moça. E Mirinho também.

Como, minha senhora? O coronel dela? Ah... o coronel já estava queimando óleo 40. Só vinha uma vez por semana.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

terça-feira, 25 de outubro de 2011

Preguinho, estilista do gol

O orgulho do escritor Coelho Netto não eram seus livros mas sim o filho João Coelho Netto, aliás, Preguinho, o maior artilheiro da história do Fluminense com 184 gols. Meia-esquerda veloz e dono de um poderoso chute, Preguinho se notabilizava pela raça e pelo espírito amador. Nunca ganhou nada para defender o tricolor. Também ficou famoso por alguns gols célebres, como o primeiro marcado pelo Brasil em Copas do Mundo. O artilheiro também foi autor de um gol antológico quando chutou do meio campo, encobrindo o goleiro do Botafogo numa partida disputada em 7 de dezembro de 1930. No Campeonato Carioca, foi artilheiro em 1923 com doze gols, em 1928 com dezesseis e em 1932 com 21.

João Coelho Netto, conhecido como Preguinho, nasceu no Rio de Janeiro, RJ, em 08/02/1905, e faleceu na mesma cidade, em 1º/10/1979. Filho do escritor Coelho Neto, era sócio do Fluminense antes mesmo de nascer, ingressando nas equipes infantis do clube carioca em em 1916, com 11 anos.

Sua estréia como jogador do tricolor carioca ocorreu em 19 de abril de 1925: naquela tarde, Preguinho havia conquistado o tricampeonato estadual de natação, na categoria de 600 metros. Ainda com a medalha no peito, pegou um táxi até o Estádio das Laranjeiras para ajudar o Fluminense a conquistar o Torneio Início do Rio de Janeiro.

Passou toda sua carreira no Fluminense e foi o primeiro capitão e artilheiro da Seleção Brasileira. Foi autor do primeiro gol do Brasil em uma Copa do Mundo, em jogo contra a Iugoslávia, na Copa do Mundo de 1930, em época em que seu apelido era Prego, sem o diminutivo. Foi o artilheiro do tricolor nos campeonatos cariocas de 1928, 1929, 1930, 1931 e 1932, sendo que em 1930 e 1932 foi o artilheiro do Campeonato Carioca.

Além do futebol, praticou outras nove modalidades: remo, vôlei, basquete, polo aquático, saltos ornamentais, atletismo, hóquei, tênis de mesa e natação, detendo 387 medalhas e 55 títulos nessas modalidades.

Após a profissionalização do futebol, em 1933, Preguinho continuou a atuar de forma amadora, recusando-se a receber dinheiro do seu clube. Afora seu desempenho dentro das quatro linhas, é também um dos maiores pontuadores da história do basquete tricolor, com 711 pontos anotados.

Em 22 de janeiro de 1952, recebeu o título de "Benemérito-Atleta" do Fluminense. À ocasião, ele disse: "Eu nem sabia falar direito e o Fluminense já estava em minha alma, meu coração e em meu corpo."

Preguinho morreu em 1979, aos 74 anos, devido a problemas pulmonares.

Fonte: Wikipédia; Revista Placar.

Mãe

Posso não ter outras virtudes, e realmente não as tenho. Mas sei escutar. Direi, com a maior e deslavada imodéstia, que sou um maravilhoso ouvinte. O homem precisa ouvir mais do que ver. Qualquer conversa me fascina e repito: — não há conversa intranscendente. E, se duas pessoas se falam, a minha vontade é parar e ficar escutando.

Uma simples frase, ainda que pouco inteligente, tem a sua melodia irresistível.

Ontem, por exemplo. Eu ia passando e vi duas senhoras no poste de ônibus. Conversavam. Estaquei e resolvi ouvi-las. Eram duas gordas e uma delas perguntava à outra: — "Sabe onde fica a praça Serzedelo Correia?". A outra respondeu: — "É pertinho daqui. Ali". E mostrava, com o dedo: — "Está vendo? Ali". A primeira olha e suspira: — "Então vou tomar o ônibus".

A distância que a separava da praça era de uma quadra. Comecei a ver, ali, um mistério insuportável. Por que tomar um ônibus para ir de uma esquina a outra esquina?

Foi mais ou menos o que disse a segunda senhora: — "Não precisa ônibus. Para que ônibus? Tão pertinho". Novo suspiro da primeira: — "Estou tão machucada. Vou mesmo de ônibus".

Foi aí, e só aí, que eu e a outra percebemos a evidência total. Estava, sim, bem machucada. Na minha infância, dizia-se "amarrotada". E ela estava amarrotada. O olho esquerdo, ou direito, tinha um halo negro, um halo que parecia feito de rolha queimada. Uma das orelhas (não vi a outra) estava enorme como a de um boxeur. Enorme e vermelha ou roxa. A simples palavra repercutia, dolorosamente, lá por dentro. E, então, compadecida, a outra quis saber: — "Mas que foi isso? Desastre?".

Parecia um bárbaro atropelamento. E havia, na conversa, um clima folhetinesco. Não perco uma palavra. Veio a resposta: — "Foi meu filho que me deu uma surra". Dizia isso sem nenhum horror, em tom castamente informativo.

Era como se não fosse ela a mãe, e fosse o espancador o filho da vizinha. A segunda senhora deixa passar um momento.

Ainda espicha o pescoço para ver o ônibus. E pergunta, com relativo interesse: — "Bateu na senhora?". Geme: — "Bateu".

E havia no que uma perguntava, e no que a outra dizia, uma naturalidade hedionda.

A primeira olha no relógio de pulso: — "Já são onze horas, meu Deus!". E, como o ônibus não vinha, a outra indaga: — "Bateu por quê?". Disse: — "Me pediu dinheiro. Eu não tinha. Já sabe. Meu filho tem um gênio que Deus te livre. Muito nervoso". A segunda olha no fim da rua: — "E esse ônibus que não vem?". Espia de novo o relógio. Suspira: — "Caso sério". A primeira está dizendo: — "Quando respiro...".

Respira fundo: — "Dói aqui". Espeta o dedo: — "Aqui".

E, súbito, chega o ônibus. Uma subiu, fácil e lépida. Mas a mãe espancada foi uma dificuldade. Dizia baixinho, como se o motorista pudesse ouvi-la: — "Espera, espera". O trocador fica olhando e reclamando: — "Como é, minha tia?".

Lá fui eu ajudá-la. Um outro apareceu. Foi empurrada, quase carregada. Gemia: — "Ai, ai". Finalmente, entrou. Arquejou para mim e para o outro: — "Deus te abençoe, Deus te abençoe!". O trocador deu o sinal, o ônibus partiu. Começou, para ela, a longa viagem de uma esquina para outra esquina.

Pouco depois, estava eu no táxi. E pensava: — "Será que essa mãe não tem marido? Ou um outro filho? Ou vizinho?". Vamos crer que fosse viúva de filho único. Mas teria vizinhos. E, além disso, há a imprensa, o rádio, a televisão, as duas casas do Congresso, as Forças Armadas etc. etc. E toda essa maravilhosa estrutura não faz nada, não exala um pio? Um filho pode espancar a mãe e fica por isso mesmo? Admito que não se faça nada. Mas o que não entendo é que ninguém se espante. O brasileiro cada vez se espanta menos.

A própria vítima não me pareceu espantada. Vejam bem: — não a espantou a surra do filho, usara um tom impessoal e, repito, apenas informativo. Já falei das orelhas? Acho que não. Uma delas estava roxa, um roxo de orquídea e de gangrena. Agora me lembro: — falei, sim, da orelha.

Paciência. Lembro-me de que, ao contar a surra, inflexionava como se tivesse pena, não ódio (ódio nenhum), pena do filho. Era uma espécie de ternura apiedada. Se a outra condenasse o rapaz, ela o teria defendido, talvez. Talvez, não. Estou certo
de que o teria defendido. E, se a apertassem muito, acabaria dando razão à surra. E iria para o espelho acusar a própria imagem: — "Bem feito, bem feito!".

Eis o que eu queria dizer: — essa mãe, capaz de dar razão à surra, existe e aos milhares, existe aos milhões, em todas as terras e em todos os idiomas. É o próprio mundo — não, não —, é a própria família que atira pela janela todos os seus valores.

Há poucos dias, um pai amargurado escreveu-me: — "Meu filho sabe mais do que eu! Minha filha sabe mais do que a mãe!". Porque fez dezoito, ou vinte, ou 23 anos, o sujeito passa a ter a "verdade da idade", a "razão da idade", o "direito da idade", o "poder da idade", a "virtude da idade".

E todos assumem a mesma atitude da abdicação: — o jornalista, o político, o psicólogo, o sociólogo, o sacerdote, os artistas. O pintor Raul Brandão berrava numa galeria de pintura: — "O jovem tem todos os defeitos dos mais velhos e mais um: — a imaturidade!".

Outro dia, tivemos a jovem revolução francesa. Os estudantes da França explodiram. A princípio, pensou-se que eram as vítimas da fome, furiosas contra a fome. Mas logo se percebeu que era a antifome. Sim, a antifome que devastava a França. E o mundo viu os filhos da alta burguesia virando carros, arrancando paralelepípedos. Ninguém entendia nada.

Certo parisiense, perfeito idiota da objetividade, escreveu: — "A desgraça da França são os franceses". Outro propôs uma Resistência contra os franceses. Um terceiro queria uma nova invasão da Normandia que salvasse a França da brutal ocupação francesa.

E eram os jovens, os jovens, os jovens. Como eram os jovens, todo mundo lhes deu razão. Cabe a pergunta: — e que fizeram eles, além de arrancar paralelepípedos e de quebrar vidraças? Foram pichar as obras-primas do teatro Odeon. Passaram a gilete ou a brocha nas telas famosíssimas. Por que esse ódio, esse estupro plástico? Porque os estudantes eram contra a "arte oficial". Mas fecharam a Bienal, por se tratar de arte moderna, capitalista etc. etc. O festival de Cannes foi também fechado, a tapa. Alguém que acordasse, de repente, havia de imaginar que era uma nova ocupação nazista.

Os nazistas nunca se lembraram de humilhar, degradar os belos quadros, as obras-primas de todos os tempos. E o curioso é que jamais ocorreu aos estudantes franceses que eram eles a alta burguesia, eles o capitalismo, eles as classes dominantes.

Volto à mãe que apanhou do filho e deu razão à surra.

Foi um pouco o papel da França ao ser agredida pela própria juventude. Lá ninguém insinuou um protesto. Igualmente suicida é a posição da família diante dos seus filhos.

Dizia-me, ontem, um padre de passeata: — "A família tem seus dias contados". Viu a minha perplexidade e perguntou: — "Ou você não percebe que a família é uma instituição falida?".

Bem. Não direi falida. Suicida, talvez.
[5/8/1968]

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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Frio na barriga

O “frio na barriga” é uma reação involuntária, causada pela impressão de estar frente ao desconhecido e ao imprevisível ou de falta de peso causada pela inércia dos órgãos abdominais, que não são corpos rígidos e têm certa mobilidade.

É desencadeado pelo cérebro na emissão de uma descarga de adrenalina causada por um medo, susto intenso ou ansiedade. É como se a adrenalina causasse no organismo uma sensação de “dormência instântanea”.

Os órgãos possuem células nervosas chamadas mecanoreceptores, que detectam mudanças bruscas de aceleração, causadas basicamente por aumento ou redução na ação da gravidade. Assim quando deslizamos numa montanha-russa, por exemplo, a queda é tão brusca que não há tempo para os órgãos se adaptarem à nova condição ou seja, descemos, mas nossas vísceras como que permanecem no mesmo lugar onde estavam.

Parece estranho, mas não é. Durante a queda ou a subida, a concentração de átomos eletricamente carregados dentro das células muda rapidamente, devido a uma mudança estrutural na membrana. A mensagem elétrica é, então, enviada para o cérebro, que processa a informação e a transforma no sintomático frio na barriga.

Fonte: Diário de Biologia.

História da Bicicleta

Bicicleta segura de  John Kemp Starley
O primeiro projeto conhecido de uma bicicleta é um desenho de Leonardo da Vinci sem data, mas de aproximadamente 1490. Só foi descoberto em 1966 por monges italianos. Mesmo antes de da Vinci já existiam brinquedos de duas rodas. Há referências em pinturas feitas em vasos, murais e relevos.

Em 1680 um construtor de relógios alemão, Stephan Farffler, que era paraplégico, construiu para si primeiro uma cadeira de rodas de três rodas e depois outra de quatro, ambas movidas por um sistema de propulsão por alavanca manual. Várias outras referências de veículos de propulsão humana são encontradas até 1800, todas construídas na forma de carruagem.

A história da bicicleta começa de fato com a criação de um brinquedo, o "celerífero", realizado pelo Conde de Sivrac. Construído todo em madeira, constituído por duas rodas alinhadas, uma atrás da outra, unidas por uma viga onde se podia sentar. A máquina não tinha um sistema de direção, só uma barra transversal fixa à viga que servia para apoiar as mãos. A brincadeira consistia em empurrar ou deixar correr numa descida para pegar velocidade e assim tentar manter-se equilibrado de maneira muito precária por alguns metros.       

O alemão Barão Karl von Drais pode ser considerado de fato o inventor da bicicleta. Em 1817 instalou em um celerífero um sistema de direção que permitia fazer curvas e com isto manter o equilíbrio da bicicleta quando em movimento. Além do mais a "draisiana" vinha com um rudimentar sistema de freio e um ajuste de altura do selim para facilitar o seu uso por pessoas de diversas estaturas.

A novidade foi patenteada em 12 de Janeiro de 1818, em Baden e em outras cidades européias, incluindo Paris. O Barão von Drais então passa a viajar pela Europa fazendo contatos para mostrar seu produto, mas suas qualidades de vendedor eram ruins e ele acabou ridicularizado e falido.       

Mesmo patenteado surgem cópias da draisiana, algumas mais desenvolvidas. Em pouco tempo é introduzido o ferro em sua construção, o que melhora sua funcionalidade e proporciona que alguns novos projetos possuíssem um sistema de suspensão no selim ou mesmo nas rodas.

Aparece também quem sabe tirar proveito comercial da nova invenção vendendo ou alugando. E no dia 20 de abril de 1829 acontece a primeira competição em Munique. Envolvendo 26 draisianas foi realizada numa distância de 4,5 km e seu vencedor cumpriu o trajeto em 31,5 'minutos, a uma média de 8,6 km/h, um feito para a época.

Ao que tudo indica desde que as primeiras draisianas foram para ruas sempre se pensou em dotá-las de um sistema de propulsão que não fosse feito pelo andar do seu condutor. A primeira a ser adaptada com pedais surge em 1839, criada pelo ferreiro escocês Kirkpatrick Macmillan. Ele aproveita o conceito da máquina criada por Drais, redesenha a viga central que liga as duas rodas, e adapta um sistema de propulsão por pedais em balanço ligados a um virabrequim no eixo da roda traseira por meio de alavancas. O ciclista aciona o sistema em paralelo à roda dianteira, com os pedais se movimentando para frente e para trás. A bicicleta funcionava bem, mesmo assim não se popularizou.   

A criação do velocípede       

Pierre Michaux, um carroceiro da cidade de Brunel, França, recebeu em sua oficina uma draisiana para reparos. Depois de pronta colocou seu filho para usá-la e este a achou muito cansativa. Michaux então passou a pensar em algum sistema de propulsão que fosse ligado diretamente a roda dianteira e que fizesse o deslocar da máquina mais fácil. Acabou redesenhando todo o projeto original da draisiana, criando um quadro de ferro e um sistema de propulsão por alavancas e pedais na roda dianteira. Pai e filho gostaram tanto do resultado que acabaram por optar pela sua fabricação. Estava criado o que viria a ser chamado de "velocípede". Michaux teve a esperteza de dar um de seus velocípedes para o filho de Napoleão III e isto abriu as portas comerciais de seu produto.

Pierre Lallement, ferreiro e carroceiro francês, afirmava ter inventado a mesma máquina antes de Michaux. Ele acaba se mudando para os Estados Unidos onde veio a fabricar seus velocípedes, com patente requerida em 1866, mas seus negócios não foram bem. Acabou falido.   

Na exposição de Paris de 1868 fica muito claro a importância que biciclos, bicicletas, triciclos, sociáveis e outras variantes tomaria no mercado francês e logo em seguida em toda Europa. Neste mesmo ano foi levado para a Inglaterra um biciclo Michaux.

James Starley, um apaixonado por máquinas e responsável pelo desenvolvimento das máquinas de costura fabricados pela Coventry, decidiu repensar este biciclo e acabou criando um modelo completamente diferente. Tinha construção em aço, com roda raiada, pneus em borracha maciça e um sistema de freios inovador. Sua grande roda dianteira, de 50 polegadas ou aproximadamente 125 cm, fazia dela a máquina de propulsão humana mais rápida até então fabricada.

Como os pedais são fixos ao eixo da roda, quanto maior o diâmetro da roda maior é a distância percorrida em cada giro desta, portanto maior a velocidade alcançada em cada pedalada. As rodas a partir de então seriam fabricadas com medidas que atendiam ao comprimento da perna do ciclista.

O modelo foi patenteado em 1870 quando Starley deixa a Coventry e funda a marca Ariel, que coloca seus biciclos a venda por 8 libras em 1871, um preço que poucos podiam pagar.

Bicicleta de segurança       

Passadas décadas do surgimento dos veículos de duas rodas e propulsão humana a imagem deixada pelos biciclos na maioria da população era de insegurança. Na última década do século XIX começa o declínio dos biciclos de roda grande e o fortalecimento das bicicletas de segurança.

O problema com os biciclos é sua insegurança. Seu condutor pedala sentado praticamente sobre o eixo da roda dianteira e quando esta, por dificuldade de ultrapassar qualquer obstáculo maior, perde velocidade bruscamente arremessa o ciclista para frente e para o chão. Como a altura do selim era alta o tombo geralmente tinha conseqüências sérias.

A questão da insegurança só foi resolvida com a introdução do que é chamada de "bicicleta de segurança", que no fundo é a bicicleta que conhecemos hoje. Sua configuração com duas rodas do mesmo tamanho e ciclista pedalando entre elas resolve também definitivamente o grave problema de equilíbrio existente nos biciclos de roda grande. Ter um comportamento previsível e relativamente seguro para o condutor populariza o produto.

Pneus com câmara de ar: conforto e segurança       

A questão do conforto ainda era pendente. Com a diminuição do diâmetro das rodas a sensibilidade da bicicleta para irregularidades e buracos aumentou, e junto o desconforto do ciclista. Tentou-se de tudo para melhorar o conforto, de sistemas de molas no selim, rodas com dois aros concêntricos e molas, garfos com suspensão e até mesmo quadros completamente articulados.

Mas é em 1888 que um inglês, John Boyd Dunlop patenteou o pneu com câmara de ar. Primeiro fora testadas em competições com total sucesso, para depois ser colocadas a venda. Pouco depois, em 1891, Edouard Michelin, Francês, aparece nas competições com seus pneus sem câmara de ar.

O domínio na tecnologia na transmissão por corrente também fez grande diferença porque esta cria um efeito elástico que diminui trancos nos pés e joelhos do ciclista. A bicicleta passaria a ser mais suave de conduzir.

Todas estes melhoramentos tecnológicos derrubaram em parte a visão de dificuldade de condução, insegurança e incomodo que foi formada nos tempos do biciclo e das primeiras bicicletas, o que fez com as novas bicicletas se popularizassem.

Fonte: A História da Bicicleta n o Mundo - Escola de Bicicleta.