quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O bom padre

Como qualquer autor, vivo ou morto, tenho três ou quatro personagens obrigatórios. E um deles é o havaiano de filme. Hoje, não há mais louro no Brasil. Todo mundo é moreno. E quando falta uma praia, há sempre um sol à mão. Vem o sol e lambe e bronzeia e lustra qualquer um.

Somos 80 milhões de havaianos e de havaianas. Dirão que há garotas de cabelo dourados. Não importa. No Brasil atual, mesmo as louras são morenas.

Que abismo entre as gerações românticas e os novos tempos! Na época do Dumas filho, o certo, o correto e, mesmo, o obrigatório era a palidez diáfana e intensa. Nos velhos folhetins, ao menor pretexto, os personagens cobriam-se de uma "palidez mortal". Aqui mesmo, o nosso Bilac ouvia estrelas "pálido de espanto". (Hoje, o mesmo Bilac ouviria as mesmas estrelas "moreno de espanto").

E nem a morte mudava a cor de ninguém. Só o cadáver preto era azul. Ao passo que o branco, vivo ou morto, tinha a mesmíssima lividez.

O que é mesmo que eu estava dizendo? Já sei. Dizia eu que somos todos havaianos. Todos, menos um. E, de fato, há um brasileiro que se constitui em uma exceção escandalosa.

O único não moreno. Eis o seu nome: — Nelsinho Motta.

Daqui a oitenta anos, sua alma subirá aos céus, num carro azul de glórias, como Elias e como o pai de Augusto dos Anjos. E, lá, os anjos e os santos perguntarão ao Nelsinho: — "Você nunca foi à praia? E nunca tomou banho de mar?".

Alçando a fronte, dirá o colega e patrício: — "Nunca tomei banho de sol, nunca tomei banho de mar". E assim é e assim será, eternamente. Nelsinho Motta é a única palidez que se conhece na vida real. Eu próprio já o chamei, certa vez, de Alfredo, da Traviata. Mudei de opinião. É muito mais Werther do que Alfredo. E tão Werther que, ao vê-lo, tenho vontade de perguntar-lhe: — "Quando é o suicídio?".

Mas disse eu que o colega era o caso único de palidez que se conhece no Brasil de nossos dias. E, novamente, tenho que fazer uma exceção. Conheci, três ou quatro noites atrás, uma outra palidez, e não menos diáfana. Imaginem vocês que fui a um sarau de grã-finos na Gávea. Sim, Gávea. Entre parênteses, direi que qualquer sarau desse tipo lembra muito um pesadelo humorístico.

Se não me entendem, explico. Humorístico porque uma reunião grã-fina se assemelha a todas as reuniões grã-finas passadas, presentes e futuras. Entro lá e penso: — "Vai acontecer tudo outra vez". E, de fato, são os mesmos decotes, as mesmas sandálias, e os mesmos cabelos, e perfumes, e frases, e jóias etc. etc. Fecho o parêntese.

Assim que me viu, a dona da casa veio para mim, radiante. Estendeu não uma, mas as duas mãos. Perguntou: — "Como vai esse reacionário?".

Numa época em que ninguém se ruboriza, eu fiquei, e o confesso, vermelhíssimo.

Digo: — "Vai-se vivendo". E já a dona da casa (uma havaiana) me puxava: — "Vem cá, vem cá. Alguém quer te conhecer".

Demos alguns passos e encontramos a pessoa. Era uma outra grã-fina e, como a anfitriã, uma falsa bonita. Diga-se de passagem que todas as presentes eram falsamente lindas.

A dona da casa me apresenta: — "Aqui, o maior reacionário do Brasil". Digo: — "Não mereço tanto". E, então, ela se volta para a amiga: — "Aqui, Fulana". Pausa teatral e completa: — "A amante espiritual de Guevara". Sou dos que se espantam de vez em quando. Achei aquilo meio forte (bobagem minha).

Mas a amiga fixa em mim o seu olhar límpido e triste. Queria dizer simplesmente que era "amante espiritual" de Guevara: — "Com muita honra". Deliciada, a anfitriã insistia: — "Não é brincadeira. Sério, sério". E disse mais: — "Com o consentimento do marido. Quer ver? Um momentinho".

Afastou-se um minuto. A outra não tirava os olhos de mim. Houve um momento em que, para dar passagem ao garçom, chegou tanto o rosto que senti o frêmito de suas narinas. Voltava a dona da casa com o marido da amiga. (O marido era só testa. Não tinha mais nada. Só testa). A anfitriã fala: — "Diz pra ele. Sua mulher é o quê?".

A testa respondeu, em tom monotonamente informativo: — "A amante espiritual do Guevara". Silêncio.

Eu não sei se devo rir, sorrir ou ficar sério. Mas ninguém, ali, achava graça. Era um fato ou, para ser mais explícito, um adultério como outro qualquer. E, depois, saiu a dona da casa com o marido alheio. Foi aí que ela me disse: — "O senhor, que é jornalista, sabe de uma sessão que...".

Interrompe-se; e continua: — "Sou católica, mas... Sabe de uma sessão espírita, onde eu possa comunicar-me com Guevara?".

Fiz um suspense. Começo: — "Bem. De momento, não me lembro de nenhuma. Só pensando". E cada vez me convencia mais de que era uma falsa bonita. Finalmente, sem uma palavra, ela me deixou ali, e ia, ereta, a fronte alta, os olhos sem luz, misteriosa como uma sonâmbula.

Todavia, a noite não esgotara ainda o seu repertório de singularidades. Em seguida, vi a anfitriã arremessar-se (e quase o garçom a atropela). Dizia: — "Padre Fulano! Padre Fulano!".

Espiei a figura que acabava de chegar. Falei no Nelsinho Motta. E o padre era outro pálido e, quero mesmo crer, mais pálido do que o Nelsinho. Nunca pisara numa praia. Talvez a palidez fosse a sua única concessão ao misticismo. Primeiro, a dona da casa; e, em seguida, outras o envolveram, quase o raptaram.

Esquecia-me de dizer: — não usava batina. Colarinho, gravata, terno, como qualquer um. "Padre moderno", notou alguém. Resistia às havaianas que o cercavam: — "Estou de passagem. Deixei o automóvel na porta. Vim aqui". Uma voz feminina pedia pelo amor de Deus: — "Fica só quinze minutos".

Ele acabou perdendo a paciência: — "Um momento, um momento!''. Como era confessor de várias, inclusive da "amante espiritual" de Guevara, tinha autoridade e se dispôs a exercê-la. Berrou: — "Silêncio!". E, assim, emudeceu todos os cochichos. Sentiu que havia acústica para sua mensagem.

Disse forte, disse alto: — "Vim aqui pedir desculpas pelos 2 mil anos da Igreja!". Suspense. Repetiu: — "Peço desculpas pelos 2 mil anos da Igreja!". Pessoas de outras salas vinham espiar, espavoridas. Mas o padre já se despedia, com um aceno geral: — "Até logo, até logo. O táxi está esperando. Tabela 2!". Como era tabela 2, deixaram-no partir.

Só depois eu soube que, antes dele, um outro sacerdote fora a um programa de estudantes na televisão. Começara exatamente assim: — "Vim aqui pedir desculpas pelos 2 mil anos da Igreja". Mas não são os únicos. Outros e outros estão repetindo, com patética e rutilante humildade: — "Peço desculpas pelos 2 mil anos da Igreja".

Pergunto se é uma palavra de ordem. E a sensação dos fiéis é de que se trata de um vil passado, de vinte séculos de lepra espiritual.
[2/7/1968]


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A Cabra Vadia: novas confissões / Nelson Rodrigues; seleção de Ruy Castro. — São Paulo: Companhia das Letras, 1995.

Não era fruta

A Guanabara anda tão confusa que começaram a acontecer as coisas mais esquisitas dos últimos tempos.

Deve ser o calor, o sofrimento de um cinema sem refrigeração, a falta de elevadores, a falta de água, a dificuldade de transportes, e a falta de dinheiro do povo e de vergonha do Governo. Com tudo isso, o cidadão vai tendo tanta coisa para pensar, mas tanta coisa, que um dia, quando ele menos espera, dá um estouro e pronto. Mufa queimada. Carteirinha de doido e caco de miolo pra tudo que é lado.

E não é que tinha um amontoado outro dia na Avenida Salvador de Sá?

Foram conferir e tava lá. Mais um com a mufa queimada. O motorista João Claudino da Silva, durante uma das noites mais quentes da Guanabara, teve um acesso de loucura (ou de calor) e, inteiramente nu, foi dormir tranqüilamente entre os galhos de uma das árvores daquela via pública. E deu o maior galho. O Senhor João Claudino, depois de tirar a roupa e subir na árvore, deitou nu e de barriga para cima numa forquilha e ficou roncando até 11 horas da manhã.

Mais ou menos a essa hora um — com licença da palavra — pedestre olhou e viu lá em cima a parte de baixo do Claudino. A noite era de lua cheia, mas o dia não. E tome de juntar gente. Foi aí que um gaiato gritou, depois de olhar atentamente para o acontecimento:

— É fruta-pão.

Um entendido em botânica logo contestou:

— Que fruta-pão o quê, sô! É jaca.

Teve nego até que disse que era uva. Outro disse que era melancia. Tava uma discussão dos diabos. E aí chegou o Corpo de Bombeiros. Um bombeiro meio desconfiado perguntou ao tenente:

— Oitizeiro dá melancia?

— Eu nunca vi! Mas, na atual conjuntura é bem possível. Acho melhor você subir na árvore e dar uma olhada.

Quando o bombeiro se preparava para subir, ainda teve um cara que pediu:

— Ó meu... se for jaca, minha mulher tá com desejo de comer jaca. Tá com desejo, entende...

O bombeiro subiu na árvore Deu uma olhadinha e gritou:

— Seja lá que fruta for, tá madura e vai cair.

Dito e feito. Primeiro passou o vento e depois a fruta. Era o Claudino. Devidamente descascado, foi enviado para o Hospital Psiquiátrico. Agora, leva mais uns três meses para amadurar novamente.

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

Carlos Alberto, o grande capitão

"A eficiência de Djalma Santos e o comando de Zito. Assim pode ser definido o futebol de Carlos Alberto Torres, o maior jogador que já usou a braçadeira de capitão na Seleção Brasileira. Todas as suas qualidades puderam ser confirmadas na única Copa que disputou, a do México. No duríssimo jogo contra a Inglaterra, Carlos Alberto abandonou a posição só para dar uma entrada forte no ponta inglês Francis Lee, que tentava catimbar a partida. Depois do lance, Lee sumiu do jogo. Episódios como esse fizeram com que fosse chamado de o Grande Capitão. Carlos Alberto também foi o autor do último gol da campanha brasileira, fechando os quatro a um contra a Itália na final."

Carlos Alberto Torres, carioca da Vila da Penha, Rio de Janeiro, nasceu em 17/07/1944. Um dos maiores laterais-direitos da história, ele foi o capitão do Brasil que ganhou a Copa de 70, no México, ficando conhecido como o Capitão do Tri. Foi revelado pelo Fluminense, onde foi campeão do Campeonato Carioca de 1964 e medalha de ouro pelos Jogos Pan-Americanos de 1963 disputado em São Paulo. Logo depois se transferiria para o Santos.

Carlos Alberto no Santos de 1969, quando foi tricampeão paulista, estão em pé: Carlos Alberto Torres, Ramos Delgado, Marçal, Clodoaldo, Cláudio e Rildo. Agachados: Edu, Lima, Toninho, Pelé, Abel e Macedo

Quando Carlos Alberto chegou na Vila Belmiro em 1965, o Santos atravessava o seu apogeu, com conquistas brilhantes como o bicampeonato da Copa Libertadores da América e do Mundial de Clubes. Pelo Santos foi pentacampeão paulista em 1965, 1967, 1968, 1969 e 1973, ano em que conquistou seu último título pelo time da Vila Belmiro.

Em 1975 foi vendido ao Fluminense, onde faz parte do time que ficou conhecido como "Máquina Tricolor", sendo bicampeão carioca em 1975 e 1976, semi-finalista dos campeonatos brasileiros destes mesmos anos, depois passando pelo Flamengo.

México 1970: com a Jules Rimet, definitivamente do Brasil.
Carlos Alberto marcou sua história em todos os times que jogou, pois além de talentoso, conseguiu se firmar e ganhar respeito em vários time de craques, mesmo na Seleção Brasileira tricampeã da Copa do Mundo de 1970, onde era um dos líderes e o capitão desta equipe.

Carlos Alberto foi nomeado por Pelé um dos 125 melhores jogadores vivos do mundo em março de 2004. Atualmente treinador de futebol, já se consagrou Campeão Brasileiro pelo Flamengo.

Na carreira política, Carlos Alberto é filiado ao Partido Democrático Trabalhista. Foi Vereador de 1989 a 1993, ocupando a Vice-Presidência e a Primeira Secretaria da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro. Em 2008 tentou uma vaga para vice-prefeito na cidade do Rio de Janeiro, não se elegendo.

Carlos Alberto foi casado três vezes: com Sueli, mãe dos seus filhos Andréa e Alexandre Torres, também jogador, com a atriz Terezinha Sodré e com Graça, sua atual esposa.

Fontes: Wikipedia; Revista Placar.