quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A escandalosa

Foi realmente lamentável o pequeno acidente ocorrido numa daquelas salas superatapetadas do Itamarati. Não posso precisar em qual delas, mas posso resumir o caso para os caros leitores, se tiverem a paciência de me lerem até o final destas mal traçadas linhas.

Vão todos comigo? Então toquemos em frente, mas desde já aviso às senhoras e senhoritas que o caso é dos mais cabreiros.

Deu-se que, numa dessas salas do Itamarati, estavam quatro funcionários dos mais ociosos, talvez não por culpa deles, mas porque deve ser duríssimo o cara ficar plantado naqueles salões sombrios o dia inteiro — full time — como eles gostam de dizer, pois diplomata adora falar na língua dos outros.

Ficar ali sem dormir, é dose pra mamute, que conforme vocês não ignoram, era um elefante muito pré-histórico e quatro ou cinco vezes maior do que os elefantes hodiernos.

Vai daí, o funcionário do Itamarati vive batendo papo, para deixar o tempo passar sem esbarrar em ninguém. Os quatro que se encontravam na sala estavam quase a cochilar por falta de assunto, quando entrou um quinto funcionário, atualmente secretário de embaixada e com todas as deficiências técnicas da atual diplomacia nacional. Jeitinho elegante, paletó lascado atrás, muito equipadinho, lenço combinando com as meias, gravata de Carven, enfim, essas bossas.

Deu um olá geral e, mesmo sem ninguém perguntar, começou a contar por que tinha chegado atrasado:

— Rapazes, não lhes conto nada!

Mas isto era força de expressão, pois notava-se que ele estava doido para contar. Aliás, em o caso sendo verdadeiro, devo informar aos caríssimos que jamais darei o nome dos outros quatro que estavam na sala (entre os quais estava o que me contou o caso), e muito menos o do quinto personagem, já nesta altura personagem principal.

Ele acendeu um cigarro americano daqueles enormes, recentemente contrabandeado, guardou no bolso o isqueiro Dupont, da mesma origem, e sentou na beira de uma das mesas de jacarandá. Terminando o suspense, puxou uma baforada azul e suspirou:

— Rapazes — repetiu, porque diplomata adora tratar os coleguinhas de rapazes — acabo de ter uma aventura amorosa genial, mas simplesmente genial. Que mulher bárbara, rapazes!

— Casada? — perguntou um dos coleguinhas, já de olhar rútilo, no mais perfeito estilo Nelson Rodrigues.

O aventureiro já ia responder que sim, mas preferiu a bacanidade:

— Infelizmente, isto eu não posso informar.

E prosseguiu explicando que a tal mulher devia ser tarada por ele, que nunca tinha reparado no detalhe mas, noutro dia, durante um coquetel dos Almeida, tiveram um contato maior e marcaram o encontro.

— Estou vindo de lá. Rapazes! Que mulher!

No fundo, todo diplomata sonha com aventuras amorosas mais ao estilo belle époque. Vestindo robe-de-chambre grená e cachecol de seda branca; uma garrafa de champanha dentro de um balde de gelo, sobre uma mesa de canto e — se possível com uma vitrola em surdina tocando trechos de opereta O Conde de Luxemburgo. Este derradeiro, detalhe é da maior finesse, mas raro é o diplomata que chega a ela antes de chegar a embaixador.

— Mas conta aí, vá! — pediu outro dos quatro coleguinhas.

O diplomata garanhão esqueceu-se da carreira e enveredou para farta bandalheira. Contou detalhes escabrosos, descreveu cenas de ruborização do próprio Marquês de Sade, para terminar com esta informação.

— Nem as cortinas do apartamento escaparam. Ela era tão espetacular que, no auge da coisa, rasgou as cortinas todas.

— Mon Dieu! — falou o que estava mais próximo e que é diplomata há mais tempo que os outros e prefere exclamações em francês do que ditos em inglês.

Aí ficou em silêncio imaginativo, sabem como é? Ficaram os quatro imaginando as cenas relatadas e o outro com cara de quem recorda. Não demorou nem um minuto, o distinto resolveu se ausentar da sala, para que os outros curtissem a inveja necessária. Com andar elegante, caminhou até a porta e recomendou:

— Vou ao gabinete do ministro Fulano. Se ligarem para mim, por favor, peçam para deixar recado ou telefonar mais tarde — suspirou mais uma vez e retirou-se.

Aí é que foi chato! Mal ele saiu, o telefone tocou e uma voz feminina perguntou por ele. O colega que atendeu explicou que não estava e emendou em seguida:

— Quer deixar recado?

— Quero sim! Por favor, avisa a ele que é a senhora dele que está falando e diz para ele não esquecer de mandar alguém para consertar as cortinas.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora.

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