sábado, 29 de outubro de 2011

O homem que não foi a São Paulo

De repente deu-lhe aquela chateação de ter que ir para São Paulo. Olhou para a valise já prontinha, que a mulher preparara e que descansava sobre uma poltrona do escritório, e puxou um longo suspiro.

Depois olhou para a passagem da Ponte Aérea que estava em cima da mesa e sentiu um leve, um quase imperceptível mal-estar.

Afinal, tinha pouca coisa a fazer em São Paulo. Se tivesse sorte de conseguir uma linha, talvez resolvesse tudo com o chefe do escritório de lá e então ficaria com uma noite livre no Rio, iria para onde bem entendesse, dormiria num hotel qualquer e não teria de dar satisfações a Mercedes, que esta estaria crente que ele seguira mesmo para São Paulo.

Pegou o telefone e discou "Interurbano". A voz neutra e irritante da telefonista perguntou o que ele queria. Cruzou os dedos e pediu São Paulo, aliviado de não ouvir em seguida aquela frase cretina: "Os circuitos estão ocupados, queira chamar mais tarde." Quando acabou de dar as ordens ao chefe do escritório, sentia-se bem melhor.

Ao pegar de novo o telefone, parecia muito bem disposto e teve de se conter para não demonstrar sua alegria:

— Mercedes? Sou eu. .. Já vou sim. Não sei, meu bem. Sigo agorinha para o aeroporto e pego o primeiro que tiver lugar. Obrigado. Outro pra você.

Desligou e ficou imaginando que era o golpe. Ir para um bar e encher a caveira? Telefonar para uma daquelas desajustadas de sempre? Ia optar pela segunda hipótese, quando se lembrou que já era um pouco tarde e mulher avulsa que se preze não continua avulsa depois que a tarde cai. O jeito era sair por aí... Mas novamente o telefone entrou em cena. A campainha soou e ele ouviu a voz do Augusto:

— Seu passe está livre para um pagode?

Aquilo caía do céu: — Puxa, Augusto... você encaixou na horinha. Imagine que eu ia para São Paulo e resolvi não ir... Mal telefonei para Mercedes... acabei de ligar, dizendo que ia, mas disposto a ficar por aqui mesmo.

— Ótimo! — exclamou o Augusto. — Pois eu estou de cacho aí com uma pequena bem razoável. Ela me avisou que tem uma amiguinha sobrando, coisa fina, e pediu que eu levasse um amigo.

— Tô nessa boca — berrou o que ia a São Paulo e não foi, achando que mais uma vez se confirmava a sua sorte com mulher. E apressou-se: — Diga à sua amiguinha para levar a outra que eu terei o maior prazer em desencaminhá-la.

Augusto esclareceu que não precisava isso. Já estava tudo combinado: as duas estariam no bar assim-assim, às tantas horas, esperando. E, a uma pergunta aflita, tratou de tranqüilizar o amigo: não conhecia a outra, mas devia ser boa sim, porque tivera o cuidado de se informar sobre este detalhe e sua pequena garantira que era papa-fina.

Saíram logo que Augusto chegou no escritório. Estava tão animado que já ia esquecendo a valise em cima da poltrona. Voltou, apanhou-a e, antes de apagar a luz, rasgou a passagem da Ponte Aérea e jogou na cesta. "Mercedes pode ver esta porcaria no meu bolso e vai ser fogo" — pensou.

E juntou ao pensamento um ditado de sua autoria que costumava usar sempre que se metia numa baderna: "Marido prevenido, casamento garantido."

Augusto manobrou o carro e entrou na vaga com facilidade. Antes de atravessarem a rua, apontou para o barzinho elegante da esquina, explicando que elas estavam esperando ali. Quando entraram na sala um tanto quanto penumbrosa, a penumbra não chegou para esconder a mulher que acenou em sua direção:

— Aquela é a minha — foi dizendo o Augusto — e a outra é a sua.

Como se ele não soubesse que era a sua!

Lá estava ela, toda fresca, no vestido vermelho que ele financiara na véspera. Aliás, foi o ar fresco que lhe deu mais raiva. Partiu por entre as mesas bufando e iniciou incontinenti o festival de bolachas.

— Mas o que é isto... mas o que é isto? — perguntava Augusto atônito.

Ninguém ali sabia direito por que é que ele estava batendo, mas Mercedes sabia perfeitamente por que é que estava apanhando.
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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: O MELHOR DE STANISLAW - Crônicas Escolhidas - Seleção e organização de Valdemar Cavalcanti - Ilustrações de JAGUAR - 2.a edição - Rio - 1979 - Livraria José Olympio Editora

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