"Depois de largo período de entrosamento com o samba, o Teatro de Revista se volta para o luxo e abandona a faceta de lançador de sucessos, até que a censura e a televisão o levam à decadência."
Manuel Pinto foi um dos  empresários mais bem sucedidos do teatro de revista, no início do  século. Coube a Walter Pinto herdar o gosto do pai pelo negócio, fazê-lo  crescer e tornar-se um dos mais ricos produtores do setor. Para isso,  contribuíram alguns fatores que acabaram por influir na própria cultura  popular carioca e, mais remotamente, brasileira.
A fim de ganhar mais dinheiro  que o pai, Walter Pinto ousou mais. Investiu, procurou caminhos  diferentes, modificou esquemas e teve êxito. Quem se deu mal nesse  contexto foi o samba, a médio prazo.
Ao assumir, o novo empresário  decidiu que ninguém teria mais destaque que ele em seus espetáculos.  Assim, durante anos, uma enorme fotografia sua aparecia no cartaz do  teatro e nos anúncios dos jornais, garantindo: Walter Pinto apresenta.  E seguiam-se os nomes (sem fotografia de ninguém) dos mais famosos  artistas do teatro de revista, em ordem de importância, as vedetes, os  comediantes, as modelos, as atrações. Com isso, criou sua marca  registrada.
As pessoas não iam ao teatro ver  esse ou aquele artista; iam ver um espetáculo de Walter Pinto, o que  era sinônimo de qualidade. Ao menos da qualidade que seu gosto passou a  impor, modificando inteiramente o conceito de se fazer revista, vigente  até os anos 40. Da mesma forma que a Ba-Ta-Clan e outras companhias de  revista européias mudaram o formato revisteiro no princípio do século,  Walter Pinto voltaria a fazê-lo, nesse momento de transformação.
A diferença foi que, na primeira  reviravolta, o samba ganhou espaço para se apresentar. O talento das  estrelas estava centrado nas vozes e interpretações, embora a beleza das  pernas e demais atributos físicos fossem também da maior importância.  Mas, quem não cantasse bem, não se escorasse em um bom samba inédito a  cada estréia, teria carreira curta e dificilmente chegaria ao estrelato.
![]()  | 
| Uma das primeiras luxuosas montagens de Walter Pinto, no Teatro Recreio, no Rio de Janeiro, anos 40. | 
Com  o advento da era Pinto, tudo mudou, O eixo do talento foi transferido, o  essencial era a beleza física e, principalmente, o desembaraço no trato  com o público. Para ser vedete, era fundamental o jogo de cintura, que  permitia enfrentar o chamado “número de platéia”. Nele, a atriz, em  trajes mínimos, depois da breve introdução de um assunto malicioso,  dialogava com a platéia e tinha que ter a necessária rapidez de  raciocínio para responder, quase sempre com duplo sentido, a quaisquer  perguntas, sem se deixar embaraçar, expondo o espectador ao riso dos  demais. Se cantasse um pouquinho, já estava bom. Samba, nem pensar!
Em termos cenográficos, as  inspirações eram importadas dos grandes shows da Broadway e dos cassinos  de Las Vegas, nos Estados Unidos. O Follies Bergère e o Lido,  parisienses, também eram fontes de informações para espetáculos  estruturados em monumental aparato, procurando imitar os musicais que  Hollywood produzia e distribuía para o mundo.
Com o êxito financeiro, Walter  Pinto viajava com freqüência para o exterior, onde, além de comprar  luxuosas fantasias para seu guarda-roupa cênico, contratava coristas e  vedetes de rara beleza e tipos físicos bastante diferentes das  brasileiras, criando forte aura de curiosidade e desejo ao redor delas.
Francesas, inglesas, americanas  e, mais modestamente, argentinas eram vistas em geral nas leiterias da  praça Tiradentes, antes e depois dos espetáculos, como se estivessem com  tranqüilidade em Picadilly Circus, na Broadway, em Pigalle, ou na  Avenida Corrientes. Duas brasileiras, porém, conseguiram atravessar a  cortina de seda das estrangeiras e marcar seus nomes como as mais  importantes vedetes dos meados do século.
Em 1944, Walter Pinto estreou no Teatro Recreio, a revista Momo Na Fila, de Geysa Bôscoli e Luiz Peixoto. A estrela era Dercy Gonçalves,  mas, lá atrás, nas últimas fileiras das coristas, alinhava-se uma  paraense loira e linda, recém-chegada ao Rio de Janeiro, desquitada e  com filhos, cujo primeiro emprego foi-lhe dado pelo empresário Pinto. Na  carteira de trabalho, o nome Osmarina Colares Cintra. Em muito pouco  tempo, transformou-se em Mara Rúbia (foto logo acima neste artigo), nome  que passou a ser escrito em destaque, com luzes, na marquise do mais  famoso teatro de revista do Brasil. Mara Rúbia, durante anos, foi  apontada pela metade do país como a maior vedete brasileira.
A  outra metade tinha favorita diferente. Uma que contava com as  preferências de ninguém menos que Getúlio Vargas, presidente da  República, que assistia a todas as revistas do Recreio e tinha pendor  especial por Virgínia Lane (foto ao lado), a quem deu o apelido que ela  adotou para sempre: a Vedete do Brasil. Procedente dos cassinos,  tarimbadíssima no “número de platéia”, a pequenina Virgínia tinha tal  presença em cena que parecia crescer a quase um metro e oitenta e  ombrear-se com as espigadas coristas que Walter Pinto importava do outro  lado do mundo, mas que acabavam por servir apenas de moldura à  baixinha, dentucinha, mas talentosíssima estrela do Recreio, de mais ou  menos 20 anos.Já não havia definitivamente  espaço para o samba, no teatro de revista. Quando um ou outro aparecia,  era simples repetição de sucesso já ditado pelo rádio ou alguma paródia  política que usava a música de um deles em voga, para criticar alguma  coisa ou alguém. Nunca mais um samba inédito foi lançado em um palco do  teatro de revista, que agora se refestelava na grandeza e no luxo das  bem-cuidadas cenografias, dos guarda-roupas deslumbrantes e na  sensualidade de mulheres belíssimas, das quais a arte de cantar era o  que menos se exigia.
Enquanto a concorrência à  revista se limitou aos shows das luxuosas boates cariocas, da ainda  capital da República, confinando-se aos pequenos palcos do Golden Room  do Copacabana Palace Hotel, das boates Casablanca, Night and Day,  Montecarlo, Fred’s e congêneres, Walter Pinto reinou absoluto na praça  Tiradentes, de onde saía para incursões por São Paulo, Belo Horizonte ou  Porto Alegre, deixando espaço, por pouco tempo, para companhias  menores.
Mas, quando a censura política  amordaçou os comediantes do teatro de revista, abrindo as portas para a  pornografia explícita, e a televisão roubou-lhe os elencos, pagando  melhor, ele, praticamente, encerrou as atividades e com elas um período  marcante, que, a partir daí, foi só decadência.
Fonte: História do Samba - Editora Globo; http://teatrobr.blogspot.com


Nenhum comentário:
Postar um comentário