sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

O discurso

Na esquina que tem a igreja, o homem parou, fumando um baita charutão. Eu casualmente olhava para ele, talvez mais atento ao charuto do que ao fumante, pois ele, realmente, largava uma fumaça danada. Foi quando o homem tirou o charutão da boca e berrou:

— Meus amigos: o povo é burro. Burro e ignorante. Todo aquele que for povo é um coitado. Eu sou um coitado... você é um coitado — apontou para um velhote gordinho que passava e o velhote ficou meio chateado de ser coitado, fez uma ameaça de responder, mas depois continuou seu caminho, balançando a cabeça e rindo.

O cara prosseguiu: — E o povo, acima de tudo, serve de teta para eles mamarem.

Isto ele disse para uma senhora rotunda que passava muito digna, a carregar as suas banhas. Fiquei com medo de que ele apontasse para a gorda e dissesse: — A senhora é teta... — mas não, seguiu a senhora o seu caminho e ele o seu inflamado discurso.

— Quem fala em nome do povo é safado. Todo cretino que levanta a voz, seja onde for, dizendo-se representante do povo, emissário do povo, ou povo propriamente dito, é um cretino... Ninguém quer ser Povo, meus amigos. A pessoa pode sair do povo, mas voltar ao povo não quer. E quem diz que quer é cretino.

Puxou uma "big" fumaçada do charutão. Expeliu a fumaça com violência e seguiu em frente:

— Qual é o sujeito que, tendo saído do povo e se tornado mais do que um simples elemento do povo, quer voltar a se integrar ao povo? Ninguém... porque ninguém é besta de andar pra trás. Por isso, é uma mentira, quando certos exploradores do povo vêm com essa conversa de que falam pelo povo. Falam nada... eles estão querendo é se arrumar mais ainda, para ficar mais distantes ainda do povo.

Nesta altura já tinha juntado gente. Todos os semblantes tinham pendurado nas bocas — à guisa de decoração — um sorriso de gozação. Ele deu uma mirada em volta e largou mais brasa:

— São todos eles umas bestas. É humano, normal, ainda que lamentável, que aquele que saiu fora do povo não queira voltar a ele. E isto eu garanto que ninguém quer. Representante do povo não existe, meus amigos... Quem se diz representante do povo não é povo...

— Então o que é? — perguntou um rapazote, em meio a um grupo que ouvia.

— Eu sei lá o que é... mas povo toma! que ele é (e largou o maior gesto obsceno, hoje muito difundido pelo cinema neo-realista italiano)...

A turma foi se mandando. Um disse que o orador era doido. Alguém discordou e começou uma discussão. Mas isto não importa. Fosse doido ou não o orador, o que eu sei é que o seu discurso foi o mais sensato discurso político que eu já ouvi até hoje.

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Stanislaw Ponte Preta (Sérgio Porto).
Fonte: GAROTO LINHA DURA - Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975

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